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Acrobacias da vida na periferia traduzidas em números de circo

Sesc Belenzinho recebe o grupo Exército Contra Nada, com o espetáculo “Caravana Zona Leste”, que celebra os talentos circenses dos artistas que vivem com resiliência nas margens nada plácidas da cultura paulistana

Por Dib Carneiro Neto (publicada em 30 de maio de 2025)

Caravana Zona Leste, espetáculo circense em cartaz no Sesc Belenzinho, surgiu há três anos, para destacar os talentos da periferia paulistana. Com concepção e direção de Adriano Mauriz, que também faz o mestre de cerimônia, e com direção musical, produção e coordenação geral de Rafael de Barros, a atração faz parte do repertório do grupo Exército Contra Nada, que atua há 11 anos na palhaçaria de rua. Após se encontrarem em 2018, Barros e Mauriz passaram a integrar o Centro Cultural Arte em Construção, em Cidade Tiradentes, Zona Leste de São Paulo. Nesse espaço, tiveram a oportunidade de realizar intercâmbios com artistas de circo formados por escolas de circo social, como o Instituto Pombas Urbanas. “Dessa interação e convivência, surgiu a inspiração para criação do espetáculo “, conta Mauriz.

Impossível falar desse espetáculo – e, de resto, falar de circo – sem mencionar a alegria. Adriano Mauriz comenta: “Essa associação do circo com a alegria é muito comum mesmo e é de certa forma compreensível, já que o riso é um elemento marcante da tradição circense. O circo está na memória afetiva de muitas pessoas, o que faz com que parte do público venha cheio de expectativas com relação a isso. Mas isso não nos incomoda e é inclusive interessante quando o público de alguma forma se surpreende com uma cena mais carregada de sensibilidade ou até de introspecção”. 

Cena do infantil Caravana Zona Leste. Foto Grupo Exército Contra Nada

“O espetáculo Caravana Zona Leste apresenta contorção, acrobacias e equilíbrios que envolvem o corpo em risco, um estado de atenção extrema”, prossegue ele. “A tensão compartilhada pelo público é aliviada pelo riso, tornando a alegria essencial para manter a atenção do público na cena. Para nós, é uma satisfação reconhecer o poder da alegria em cada rosto que cruzamos e provocar outros tipos de emoções, tanto neste quanto em outros espetáculos.”

O início desta nova temporada se deu na Virada Cultural, no final de maio. Mauriz conta como foi a recepção: “A casa estava cheia, com um público interessado em se integrar à vida cultural da cidade. E foi uma satisfação apresentar com acesso livre, ingressos gratuitos”. Muitas mudanças aconteceram desde a estreia em 2022, como nos conta o diretor: “Nos últimos três anos de trajetória do espetáculo, houve um fortalecimento do coletivo artístico. Ser um grupo é uma forma de organizar e produzir arte que valoriza não apenas o resultado artístico, mas também a trajetória individual de cada artista na construção da sua arte. Nesse sentido, o grupo Exército Contra Nada cresceu com a chegada de novos integrantes e se consolidou com a Caravana Zona Leste, e a Caravana também teve um papel importante na solidificação do grupo”.

Adriano Mauriz fala agora do seu desafio em ser o mestre de cerimônia, papel que também mudou muito desde a invenção do circo, por assim dizer. Ele explica: “O circo moderno surgiu com um general que criou o picadeiro. Depois, figuras como donos de circo e mestres de cerimônia foram reinventadas ao longo do tempo. Atualmente, a mediação no circo pode ser feita de várias maneiras. No meu caso, uso música e poesia para destacar cada número com sua potência e brilho único. Me comunicar poeticamente é uma espécie de salto mortal para chegar na emoção do público e tornar cada apresentação única e autêntica”.

Outra cena do infantil Caravana Zona Leste. Foto Grupo Exército Contra Nada

O fértil casamento do circo com o teatro e com outras linguagens artísticas, como a poesia e a dança, é outro assunto que entusiasma Mauriz. “O circo tem ultrapassado os limites tradicionais da lona, ocupando diversos espaços artísticos”, comenta. “Porém, ainda recebe menos prioridade que o teatro, a música e a dança em alguns locais. São raras as premiações e críticas específicas para a linguagem do circo.”

Mas Mauriz é esperançoso: “Apesar das dificuldades políticas, econômicas e sanitárias como a pandemia, o circo tem se expandido nos últimos anos, com apoio do público, mantendo bilheterias, realizando mostras e convenções. E essa resistência do circo reflete-se no aprimoramento dos espetáculos, em suas construções dramatúrgicas, na força das narrativas, nas conexões entre a tradição e a contemporaneidade. Os espetáculos de circo incorporam cada vez mais elementos de teatro, dança e música, enquanto os artistas de teatro também exploram o circo. Este movimento tem sido comum recentemente. Portanto, consideramos muito valioso ter um espaço como o do Sesc Belenzinho para apresentar nossa arte ao público e seguir fomentando novos públicos para o circo como um todo”. 

Serviço

Caravana Zona Leste

Sesc Belenzinho – Sala de Espetáculos I. Rua Padre Adelino, 1.000

Sábados e domingos, 12h. R$ 40 – crianças até 12 anos não pagam ingresso. 

Até 8 de junho (estreia 24 de maio)

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Dib Carneiro Neto

Jornalista, dramaturgo e crítico teatral. Começou a escrever críticas sobre teatro infantil em 1990 na revista Veja São Paulo. Foi editor-chefe do caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo, o Caderno 2, de 2003 a 2011. Atualmente, edita o site e canal do youtube Pecinha É a Vovozinha, que ganhou o Prêmio Governador do Estado em 2018, na categoria Artes para Crianças, além de menção honrosa no Prêmio Cbtij (Centro Brasileiro de Teatro para Infância e Juventude). Por sua peça Salmo 91 , adaptação do livro Estação Carandiru, ganhou o Prêmio Shell de dramaturgo em 2008. Em 2018, ganhou o Jabuti pelo livro Imaginai! O Teatro de Gabriel Villela.
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