A atriz e jornalista reestreia no Teatro Porto com o filho caçula, Theodoro Cochrane, a peça aplaudida por 32 mil pessoas em um ano
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 20 de junho de 2025)
A jornalista e apresentadora Marília Gabriela, de 77 anos, estreou nos palcos em Esperando Beckett, dirigido por Gerald Thomas em 2000, e, de lá para cá, protagonizou sete outros espetáculos, a maioria de relativa repercussão. Só, agora, 25 anos depois, porém, ela se sente realmente integrada a uma equipe, ansiosa pelas viagens da turnê e plenamente entregue aos compromissos de atriz. “Antes, eu ficava com um pé na televisão e outro no teatro e, hoje, me dedico de verdade a todas as etapas”, reconhece ela, aposentada do jornalismo. “É como se vivenciasse pela primeira vez essa segunda carreira que adotei.”
Faz um ano que a artista protagoniza a peça A Última Entrevista de Marília Gabriela, dramaturgia de Michelle Ferreira dirigida por Bruno Guida, em que contracena em um jogo autoficcional com o filho caçula, Theodoro Cochrane, de 46 anos. Desde a estreia, em 3 de maio do ano passado, no Teatro Unimed, em São Paulo, a montagem foi assistida por mais de 32 mil pessoas e correu outras seis cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Nesta sexta, 20, a dupla volta ao cartaz no Teatro Porto, na capital paulista, com o mesmo frescor das primeiras sessões. “É um reencontro de mãe e filho a cada apresentação”, comenta Marília, pensativa, para, em seguida, emendar. “Na verdade, é parte da nossa constante construção de mãe e filho que passou a ser um entendimento da relação de dois artistas em um trabalho conjunto.”

A peça apresenta um embate demolidor que borra ficção e realidade com base em uma tempestuosa intimidade. Desta vez é Cochrane quem assume o papel imortalizado pela jornalista em mais de quatro décadas, o de entrevistador, e, para a sabatina, recebe a própria Marília. O filho interroga a mãe célebre sem piedade e faz com que ela revele fragilidades e apreensões, muitas decorrentes da convivência dos dois. Sem apelar para a isenção, o ator não se limita a ouvir e joga na cara mágoas acumuladas durante os anos.
“O público se identificou com a ideia de ver Marília Gabriela e o filho no palco neste jogo em que, aparentemente, nós não somos personagens”, declara Cochrane, sobre o sucesso da peça. “Mas a verdade é que tratamos ali de temas universais, como maternidade, envelhecimento, autoaceitação, saúde mental, e, sem perceber, o espectador se vê ali representado.”
Na época dos ensaios, Marília confessou que se viu chorando várias vezes ao ouvir do personagem representado pelo filho frases carregadas de ressentimentos. Entre os trechos mais fortes está aquele em que Cochrane compara Marília a uma árvore que oferece uma sombra tão grande capaz até mesmo de ofuscá-lo e que isso se torna insuportável para ela.
A constante repetição do texto em mais de um ano não amenizou a emoção da intérprete, e o coração continua batendo forte, assim como as lágrimas brotando, quando ouve acusações sobre as falhas como mãe. “Eu choro até hoje porque a nossa relação é assim, sempre tivemos problemas, nós nos aborrecemos o tempo inteiro e discutimos um com o outro, mas, desta vez, é diferente porque essa liberdade virou um texto compartilhado com muita gente”, reconhece Marília.

Cochrane, simulando um pouco mais de frieza, garante que sempre lidou de um jeito mais tranquilo com os frequentes duelos com a mãe e, no teatro, eles até lhe fazem bem, principalmente depois que a cena acaba. “Continua, claro, o desabafo me consumindo, mas não como um agente depressivo porque aquilo me renova”, declara. “A gente tem uma coisa muito legal de oscilação de energia que ajuda no equilíbrio em cena, então, se um está mais borocoxô, o outro levanta a bola e seguimos o jogo.”
Apesar de morarem em prédios vizinhos, Marília e Cochrane não têm uma convivência diária – o que mudou com a temporada da peça, principalmente durante as viagens. “Como colega até que ela se comporta direitinho”, debocha o filho. A atriz completa a provocação garantindo que a cada cidade visitada os dois descobrem um carinho novo e ou uma raiva inesperada. Uma das questões que incomoda Marília é que, vez por outra, Cochrane decide dar uma variada no texto e improvisa entonações de voz que a pegam de surpresa. “Um ator pode tudo no palco menos cristalizar e, desde que comecei a estudar teatro, esta é uma frase que não sai da minha cabeça”, justifica ele.

Uma cena que sustenta a renovação diária de A Última Entrevista de Marília Gabriela é aquela em que um espectador sobe ao palco para conversar com a jornalista e fazer o seu famoso bate-bola. Os dois contam que, em algumas cidades, muitos se oferecem espontaneamente, enquanto plateia mais tímidas se sentem inicialmente encabuladas. “Mas na hora sempre tem alguém que vai porque, além de tudo, existe a fantasia de ser entrevistado por Marília Gabriela”, afirma Cochrane.
A mãe, atriz e jornalista, entretanto, defende o terreno que a projetou profissionalmente e justifica que, como boa entrevistadora, na maior parte do espetáculo, o público, mesmo que inconscientemente, já vem sendo preparado para aquela situação. “Eu acho que a gente leva com facilidade o espectador porque já nos expusemos tanto que ninguém se sente intimidado e fica à vontade para se expor também”, observa. “As pessoas começam quietas, depois riem bastante até chegar um ponto da peça em que a casa cai para todo mundo e todos sentem vontade de falar, de participar.”
Serviço
A Última Entrevista de Marília Gabriela
Teatro Porto. Alameda Barão de Piracicaba, 740, Campos Elíseos
Sexta e sábado, 20h; domingo, 17h. R$ 150 / R$ 200
Até 27 de julho (reestreia em 20 de junho)