Atrizes protagonizam no Sesc Pinheiros o drama que aborda incomunicabilidade, homofobia, intolerância e aborto
Por Dirceu Alves Jr.
A atriz Silvia Buarque, de 55 anos, completa quatro décadas de carreira em 2025 e decidiu antecipar o seu presente. Ela, que estreou com a peça infanto-juvenil Os Doze Trabalhos de Hércules e, em 1986, participou da novela Dona Beija, na TV Manchete, enxergou a hora de abraçar o protagonismo como produtora teatral. Silvia idealizou e bancou com recursos próprios a peça A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe, escrita por Daniela Pereira de Carvalho, em que contracena com a atriz Guida Vianna. Sob a direção de Leonardo Netto, o espetáculo, depois de temporada carioca, entre janeiro e março, chega ao Auditório do Sesc Pinheiros nesta quinta, 20.
Não fazia sentido esperar por um patrocínio que, muitas vezes, pode nem aparecer – ainda mais em se tratando de um drama, gênero pouco atraente aos investidores. “Eu calculei que poderia aplicar 100 mil reais na produção, e a equipe topou participar, mesmo ganhando menos do se estivéssemos patrocinados”, conta a artista. “Confesso que minha expectativa era a de fazer uma peça legal, um trabalho que me deixasse feliz, mas fico surpresa com uma repercussão tão positiva e, principalmente, que os assuntos abordados encontrem tanta conexão com o público.”
A dramaturgia é dividida em dois tempos para narrar conflitos entre mães e filhas. Na primeira cena, Elisa (interpretada por Guida), de 70 anos, busca uma reaproximação com Antônia (papel de Silvia), de 50, durante uma viagem para a Índia. As duas se afastaram no passado porque a mãe rejeitou a homossexualidade da filha. Um segredo de Antônia, porém, é revelado e, mais uma vez, a tolerância de Elisa se mostra incapaz de ser testada.
Um salto de duas décadas marca a passagem para a segunda cena. Agora é Antônia (vivida por Guida), que, aos 70 anos, procura conhecer Helena (representada por Silvia), de 50, a filha que teve na juventude e, por julga-se inapta para criá-la, entregou à adoção. “É um texto que fala da relação entre mães e filhas pela ausência, pelos buracos, pela falta do afeto e amplia o sentido particular ao tratar de homofobia, intolerância e aborto, discussões que acompanhamos todos os dias nos noticiários”, explica Silvia.
Guida Vianna, de 69 anos, celebra cinco décadas de palco no ano que vem e traça um paralelo entre as suas experiências pessoais e as de Silvia que podem ter colaborado no processo da montagem. “Nós duas somos mães de filhas únicas mulheres e isso não muda de geração para geração porque ficamos preocupadas o tempo todo com o que pode acontecer com elas nas ruas em meio a tanto machismo e misoginia”, diz.
Mãe da pedagoga Júlia, de 40 anos, Guida separou-se do marido quando a menina tinha 3 e reflete sobre como a educação destinada à filha foi diferente daquela que recebeu de seus pais. “Minha mãe criou a mim e a meu irmão de jeitos totalmente opostos e, por isso, crescemos tão diferentes”, observa. “Todas as expectativas ao meu respeito giravam em torno de um casamento, enquanto o meu irmão foi formado para ter responsabilidades, cuidar da família e pensar no futuro.”
Silvia é mãe de Irene, de 18 anos, do casamento com o ator Chico Diaz. A jovem estuda teatro na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e pensa em prestar vestibular para jornalismo no próximo ano. “Minha experiência é diferente da vivida pela Guida porque me separei quando minha filha tinha 15 anos e, mesmo que ela more comigo, o pai é bastante presente”, diz. Quanto à escolha de Irene pelo teatro, Silvia não se preocupa em relação às cobranças que ela pode sofrer por ser neta da atriz Marieta Severo, entre outros, parentescos célebres. “Vejo a Irene mais voltada para a teoria, como uma pesquisadora das artes cênicas, puxou pela minha irmã Luisa, que é filósofa”, comenta.
Marieta nunca tentou engajar a filha em projeto algum e, quando as duas trabalharam juntas, segundo Silvia, o seu nome jamais foi a primeira opção. No espetáculo Quem Tem Medo de Virginia Wolf? (2000), por exemplo, em que contracenou com a mãe, Marco Nanini e Fabio Assunção, a sugestão veio do diretor João Falcão depois da recusa de três ou quatro colegas. “Nunca me senti comparada com minha mãe, até porque quando comecei ela era mais uma atriz de teatro e não tinha essa popularidade toda que conquistou depois, principalmente com o seriado A Grande Família”, afirma. “Eu era muito vista como a filha do Chico Buarque e isso foi mais puxado para mim.”
Serviço
A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe.
Auditório do Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, Pinheiros.
Quinta a sábado, 20h. R$ 40.
Até 27 de julho. A partir de quinta (20).