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“O Conto da Ilha Desconhecida” ensina a enfrentar o desconhecido

Conto do escritor português José Saramago inspira a encenadora Cristiane Paoli Quito a falar com o público mirim sobre autoconhecimento, aventura, poder e a coragem de tomar decisões – em cena, uma pianista faz a música virar personagem

Por Dib Carneiro Neto (publicada em 18 de junho de 2025)

Criança pode ser o que quiser ao brincar. Inventa, desinventa, faz de conta, cria, recria, repete, recomeça, cansa, descansa. Esse foi o pensamento principal da veterana diretora Cristiane Paoli Quito, ao transpor para o teatro a obra do Nobel português José Saramago (1922-2010), O Conto da Ilha Desconhecida, que estreia neste feriado de quinta, dia 19 de junho, no teatro do Sesc Ipiranga, em São Paulo. 

“Saramago é um mestre da palavra e também das imagens por meio das palavras”, diz a diretora adaptadora. “Ele traz muitos assuntos, no caso deste conto, como o autoconhecimento, a sociedade, a coragem, as tomadas de decisões, mesmo que sejam decisões simples. Fala também do poder, brinca com isso. Fala de burocracia. E, sobretudo, dos encontros. E como às vezes a gente já está em um movimento positivo de vida e nem percebe. A gente precisa sair de si, deixar de estar ensimesmado, para poder ver o mundo e se enxergar. O outro nos ajuda a nos enxergar.” 

Cena do infantil O Conto da Ilha Desconhecida. Foto Caio Oviedo

É curioso levar para as crianças um tema tão amplo e vago, como o desconhecido. Quito nos explica: “Estamos sempre nos aventurando. A vida é uma aventura. Seguimos dia após dia passando por desafios, testando impulsos, praticando coragens, encarando encontros. O dia de amanhã, nesse sentido, é sempre desconhecido. Para crianças e jovens, e qualquer um de nós, o conhecer-se é sempre renovável, porque nunca somos os mesmos. Hoje pode ser assim, mas amanhã é diferente, porque as condições vão mudando. São desafios constantes, então a ilha desconhecida é essa metáfora no conto do Saramago. “

No enredo, extremamente simbólico, um homem, com notável atrevimento, bate à porta de um rei e lhe pede um barco para ir à procura de uma certa ilha desconhecida. O rei, intrigado, questiona a existência dessa ilha, ao que o homem responde: todas as ilhas são desconhecidas até serem descobertas. Quito mais uma vez persegue em cena, com o elenco de quatro artistas, o que chama de metodologia do compêndio, que consiste em valorizar o texto literário tanto quarto for possível. Camila Cohen, Lucas Corbucci e Luiz Felipe Bianchini são os três intérpretes-criadores e Josí Neto, que assina a direção musical e toca um piano de meia cauda em cena, completa o time.

Desta vez, a música também é forte presença. Quito recrutou Josi com toda segurança. “Formada pela USP, ela tem muita categoria, faz improvisos incríveis”, justifica. “Juntas, procuramos fazer a música também ser um personagem, dialogando com todos os outros. A pianista dá elevação à cena, a música ajuda no desenho cênico. Não é exatamente uma trilha infantil, mas a música tem traços e arranjos que fazem as crianças sentirem o clima de aventura. E, além do som, quando se abre a tampa do lindo piano, ela parece uma vela de barco, o que tem tudo a ver com o enredo e a proposta cenográfica, concentrada em um quadrado de 4m x 4m.”

Outra cena de O Conto da Ilha Desconhecida, inspirado em José Saramago. Foto Caio Oviedo

“Eu costumo trabalhar para públicos de todas as idades”, deixa claro a diretora. “Mas me preocupo com as crianças, pois não devem ser subestimadas. No texto, há uma camada, nos corpos há outra e nas relações outra ainda. É como um desenho animado. Trabalho nesse ritmo, nesse tempo, na triangulação dos corpos. A construção de cada personagem também tem o frescor, a inocência e a vibração do palhaço.” O espetáculo, segundo ela, pode ser dividido em dois movimentos. O primeiro se passa no palácio, o segundo acontece no porto. “Na segunda parte, assumimos um pouco a linguagem de ‘faça você mesmo’, como brincadeira de criança, já que criança é muito imaginativa ao brincar. Trazemos isso para a peça. Acredito que essa similaridade da forma de brincar com a forma de atuar (faz de conta que estou no barco, no palácio, na praça cheia de gente…) é uma chave-estímulo para as crianças brincarem.” 

Serviço

O Conto da Ilha Desconhecida

Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822

Domingos, 11h. (apenas a estreia, dia 19 de junho, acontece em uma quinta-feira). R$ 40. Grátis para crianças de até 12 anos

Até 7 de setembro (estreia em 19 de junho)

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Dib Carneiro Neto

Jornalista, dramaturgo e crítico teatral. Começou a escrever críticas sobre teatro infantil em 1990 na revista Veja São Paulo. Foi editor-chefe do caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo, o Caderno 2, de 2003 a 2011. Atualmente, edita o site e canal do youtube Pecinha É a Vovozinha, que ganhou o Prêmio Governador do Estado em 2018, na categoria Artes para Crianças, além de menção honrosa no Prêmio Cbtij (Centro Brasileiro de Teatro para Infância e Juventude). Por sua peça Salmo 91 , adaptação do livro Estação Carandiru, ganhou o Prêmio Shell de dramaturgo em 2008. Em 2018, ganhou o Jabuti pelo livro Imaginai! O Teatro de Gabriel Villela.
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