O infantil “Acorda!” é encenado em duas janelas do prédio histórico do CCBB-SP, enquanto o público vê e participa do lado de fora, no calçadão. A premiada cia. paulistana, conhecida por atuar em janelas do Minhocão, quer reforçar o quanto uma cidade precisa ser funcional, democrática e inclusiva
Por Dib Carneiro Neto
Essa boa pedida é para quem gosta de teatro feito fora dos palcos, ou seja, em espaços nada convencionais e ao ar livre. Após três espetáculos e 25 mil espectadores na janela de um prédio no Minhocão (Elevado Presidente João Goulart), o premiado Grupo Esparrama, dirigido por Iarlei Rangel, muda de cenário e pela primeira vez encena um peça em uma janela inédita. A partir deste fim de semana, o primeiro do mês de julho, as janelas de dois andares – o primeiro e o terceiro – do Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo, no centro histórico da capital paulista, serão “palco” alternativo do espetáculo Acorda!, a nova montagem do Esparrama.
A proposta tem um enredo? Claro que sim. É teatro – e teatro conta histórias. Em cena, três palhaços – “acordadores de cidades” (Kleber Bianez, Lígia Campos e Rani Guerra) – juntam-se com as crianças da plateia para realizar a tarefa de despertar os prédios que estão adormecidos. Se os velhos edifícios voltarem a ser utilizados, produzirão novas memórias. É uma ideia excelente do grupo, para continuar falando do tema que mais mobiliza os integrantes do Esparrama: como tornar uma cidade mais inclusiva, mais democrática, mais humana.
O prédio histórico do CCBB São Paulo foi uma escolha perfeita para esse novo espetáculo. Construído em 1901, foi comprado pelo Banco do Brasil em 1923. Sua arquitetura é belíssima. Para contar tudo sobre Acorda!, ninguém melhor do que o diretor do espetáculo, Iarlei Rangel.
Nossa, como vocês gostam de aparecer na janela, né? Por quê? Fale um pouco sobre essa escolha do grupo por espaços não convencionais de encenação.
Quando abrimos nossas janelas pela primeira vez, lá no Minhocão, nos deparamos com o público ocupando as ruas, olhando para as janelas e sonhando uma nova cidade junto conosco. Mesmo sabendo que teatro é sempre um exercício de comunhão, foi com o Teatro de Janela que nós, do Grupo Esparrama, pudemos viver plenamente essa experiência. Desde então, metaforicamente, sempre buscamos janelas pelas quais possamos ver novos horizontes.
O que toda a experiência acumulada nas janelas do Minhocão ensinou a você como diretor?
Em quase doze anos de Teatro de Janela no Minhocão testemunhei uma cidade em disputa. Aquele lugar foi desvalorizado pela construção de um gigantesco viaduto que privilegiou os carros em detrimento dos moradores e que, depois, foi revalorizado pela força impiedosa do mercado imobiliário. E o que podemos, nós cidadãos e artistas, diante das forças gananciosas que agem para construir cidades excludentes? Bom, o que as janelas do Minhocão me ensinaram foi sobre a necessidade de disputar a cidade e sonhar – em ação – com novas possibilidades para ela. Pode parecer pouco, mas é um começo.
Vocês se encontraram estrategicamente com crianças para a concepção do espetáculo. Comente o que foi aproveitado diretamente dessas conversas com os grupos de crianças.
As crianças, como quase sempre, nos ensinaram o óbvio, aquilo que os nossos olhos de adultos insistem em esquecer. Convidamos um grupo de crianças para imaginar quem poderia dar vida às janelas “vazias” do centro histórico. Foram muitas “respostas” lindas, divertidas, inusitadas, coloridas, mas o mais importante foi vê-las criando. Além da inspiração de alguns personagens e histórias, o que trouxemos desses encontros para o espetáculo foi a própria experiência de escuta. Em Acorda! a plateia verá as crianças (os nossos “especialistas em janelas”) literalmente criando um novo personagem para nos ajudar a acordar o prédio dorminhoco.
O calçadão do Centro tem seus habitantes em situação de rua. Está previsto algo para a participação deles de alguma forma? Como eles reagiram aos ensaios?
Os habitantes em situação de rua não são mais uma realidade apenas dos calçadões dos centros, já são da cidade inteira. Desde as janelas do Minhocão, esta era uma questão para nós. Como pensar uma cidade que não ignore ninguém? Em Acorda! abordamos a questão a partir de uma das ‘boas memórias do prédio”, a de uma ocupação. Nesta cena as famílias cantam e nos lembram que “…Prédio vazio, fica desmemoriado. O segredo é manter o prédio bem ocupado!…”
O que diferencia essa nova proposta de espetáculo no CCBB do que já foi feito anteriormente no Minhocão? Há algo que vocês já sabem que não funcionou por lá e por isso não vão repetir no CCBB?
Infelizmente, viver no centro, mesmo que na periferia dele, é diferente de viver na periferia da cidade, ou seja, de cada janela vemos uma cidade diferente. Quando saímos do Minhocão encontramos outras questões e outros formatos de janelas, com cores, tamanhos e ângulos diferentes, o que inevitavelmente nos levou a criar um espetáculo totalmente novo. Talvez a única coisa que se repete é o que aprendemos com as crianças: que sempre é possível imaginar o novo, criar o que não foi pensado.
Comente um pouco sobre a metáfora de “acordar” um prédio e como você quer que isso chegue às crianças.
Para nós, uma cidade que não acolhe toda as pessoas é uma cidade que não tem função social e que, portanto, está dormindo. O espetáculo utiliza esta imagem poética para sonhar um mundo mais justo, inclusivo e democrático. Na peça, nós trouxemos a ideia concreta de um prédio que está dormindo diante da plateia e que precisa do público para ficar acordado pois, diferente dos humanos, cidade só sonha se estiver bem acordada.
Serviço
Acorda!
Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo . Rua Álvares Penteado, 112. Tel.: (11) 4297-0600
De 5 a 28 de julho, sexta-feira a domingo, 15h.
De 3 de agosto a 1º de setembro, sábado e domingo, 15h.
Entrada Gratuita