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Sergio Ferrara revisita Ibsen em “Estudo sobre Fantasmas”, peça inaugural do NIT – Núcleo de Imersão Teatral

Sinopse

Encenador cria grupo de estudos para jovens artistas em que a pesquisa e o processo servem de base para a criação de espetáculos, e o primeiro resultado está em cartaz  

Por Dirceu Ales Jr.

Passado o baque da pandemia, lá por meados de 2022, o diretor Sergio Ferrara, de 56 anos, entendeu que era a hora de uma reinvenção, tanto do ponto de vista artístico como pessoal. Ele estava há algum tempo incomodado com o excesso de frustrações e rancores percebido entre os colegas e desejou se distanciar desse círculo contagioso. Para isso, só enxergou um caminho, a conexão com a juventude.

Ferrara idealizou grupos de estudos, inicialmente formado por doze atores, que carregavam diferentes formações, em reuniões no espaço Zona Franca, no Bixiga. Um tinha estudado filosofia, outro carregava um profundo interesse por antropologia, um terceiro era fonoaudiólogo e todos, além da paixão pelo teatro, gostavam de música, fotografia, artes plásticas, cinema e dança. “Comecei a ver uma garotada saindo da faculdade perdida, sem qualquer perspectiva de integração ao mercado do teatro e, assim, começam a brotar os ressentimentos”, afirma o artista. “Trabalhei com tantos profissionais maravilhosos, como Plínio Marcos, Antunes Filho, Maria Bonomi, Ignácio de Loyola Brandão, e vi que era a hora de passar adiante as minhas vivências.”

Na cabeça do encenador, a moeda de troca é óbvia e saudável. Os mais novos precisam ouvir e conhecer as experiências dos mais velhos, que, por sua vez, renovam as energias diante dos ímpetos da juventude. Existe muita boa vontade para a turma, mas as referências andam em falta, segundo Ferrara. Dessa forma, nasceu a Cia. do NIT – Núcleo de Imersão Teatral, um coletivo fundado por Ferrara para a pesquisa, processos criativos e compartilhamento de saberes. “Não existe o compromisso de montar um espetáculo em um determinado período, pelo contrário, o que determina nosso prazo é o andamento e as necessidades do processo”, explica. 

O primeiro espetáculo do NIT – Núcleo de Imersão Teatral é Estudo sobre Fantasmas, criado com base na peça Fantasmas, escrita em 1881 pelo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906). A montagem, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso – Sala Paschoal Carlos Magno aos sábados e domingos, às 18h, enfoca personagens de uma burguesia reprimida em constante insatisfação com a realidade. A protagonista é a viúva Helena Alving (interpretada por Clau Carvalho), que, prestes a inaugurar um orfanato em homenagem à memória do marido, recebe de volta o filho Oswald (representado por Josuel Luna). O rapaz havia sido afastado da casa da família para não conviver com as imperfeições do pai. O elenco se completa com outros quatro atores, André Pottes, Gabriel Mello, Acsa Giunco e Maria Andrade.

Cena da peça Estudos Sobre Fantasmas. Foto Adriano Escanhuela

O conjunto de referências trazido à tona em meio às discussões geram surpresas aos espectadores de Estudo sobre Fantasmas. A  Helena Alving de Clau Carvalho, por exemplo, é toda construído em cima do flamenco espanhol. A personagem dança, usa castanholas, bate o pé no tablado. “Faz todo o sentido porque é uma mulher arrojada, passional”, justifica o diretor.

Ibsen é uma inspiração recorrente no currículo de Ferrara. Do dramaturgo norueguês, ele encenou O Inimigo do Povo, em 2007, Imperador e Galileu, no ano seguinte, e A Dama do Mar, em 2012, com Ondina Clais Castilho e Luiz Damasceno nos papéis principais. “Cinco anos depois, Ondina e Damasceno protagonizaram a mesma peça sob a direção do Bob Wilson, mas a base da pesquisa para esses personagens já estava permeada neles desde o nosso trabalho”, declara.

Os componentes da Cia do NIT – Núcleo de Imersão Teatral chegaram ao nome de Ibsen há pouco mais de um ano. Sim, seria o autor o objeto de estudo capaz de originar o primeiro espetáculo e, depois da análise de tantas obras, Fantasmas gerou maior identificação na equipe. “Em suas peças, Ibsen fala do sofrimento de quem precisa reprimir muita coisa e, atualmente, existe uma barreira enorme entre as aspirações do indivíduo e as possibilidades da vida real”, analisa. “Só que vejo essa angústia como uma força para nos colocar em movimento e acho que isso leva essa moçada a se reconhecer nos personagens.”

Consultório para clinicar

O próprio Ferrara buscou novas rotas nos últimos anos. Cansado das instabilidades do teatro e interessado em criar perspectivas, inclusive financeiras, ele ingressou na faculdade de psicologia e, em junho, coloca a mão no diploma. O próximo passo é inaugurar o próprio consultório para clinicar. “A psicologia abriu a minha cabeça para muitas coisas, inclusive para a arte, e me espanto ao ver colegas reclamando o tempo todo de que o teatro deve muito a eles e não retribui toda a dedicação depositada, o que é isso?”, indigna-se. “O teatro não deve nada a ninguém e quem precisa se reinventar somos nós, temos que viver o nosso tempo e entender que a vida pré-pandemia era uma e a pós-pandemia é outra.”  

Mesmo com Estudo para Fantasmas pronto e sem a menor pressa de sair de cartaz, os componentes do NIT já começaram o desenvolvimento de novas pesquisas que podem resultar em futuros espetáculos. Quem sabe seja a vez de revisitar Plínio Marcos (1935-1999) no ano que vem, e Ferrara, que dirigiu bem-sucedidas versões de Barrela e Abajur Lilás, se mostra entusiasmado até porque, em 2025, o autor faria 90 anos. “Mas faço questão de que essa escolha seja forte e coletiva dentro da companhia, como um verdadeiro ato democrático.”         

Serviço

Estudo para Fantasmas.

Teatro Sérgio Cardoso – Sala Paschoal Carlos Magno. Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista.

Sábado e domingo, 18h. R$ 40

Até 18 de abril.

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Ficha Técnica

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Serviço

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