Depois de transformar várias tragédias do bardo em peças de censura livre, a Vagalum Tum Tum, companhia capitaneada por Ângelo Brandini, volta aos palcos para mostrar, no Sesc Bom Retiro, como esse genial dramaturgo se comportava quando era criança
Por Dib Carneiro Neto (publicada em 1º de maio de 2025)
No cenário paulistano de teatro de censura livre, há um caso exemplar que desafia todos os que pensam que certas obras seriam completamente interditas para crianças. As tragédias de William Shakespeare (1564-1616), por exemplo. Assassinatos frios, suicídios, mortes aos borbotões, traições de todo tipo, tramoias de poder, crueldades ardilosas, guerras e politicagens mil. No teatro para crianças? Sim. É possível.
Ator, clown, dramaturgo e diretor formado pela Escola de Arte Dramática (EAD), da Universidade de São Paulo (USP), e um dos pioneiros integrantes do grupo Doutores da Alegria, que leva há quase três décadas a arte da palhaçaria para crianças em situação de internação, Ângelo Brandini encarou o bardo de frente e, destemidamente, transformou em peças de censura livre tragédias e dramas históricos como Rei Lear, Macbeth, Othelo, Hamlet, Henrique V e Ricardo III.

Até então era mais comum ver apenas Romeu e Julieta e Sonhos de uma Noite de Verão nos palcos para todas as idades. Em 2001, Brandini fundou a Cia. Vagalum Tum Tum, que dirige até hoje. Já são muitos prêmios acumulados. A chave escolhida para as adaptações de Shakespeare foi, desde o começo, a palhaçaria.
Neste feriadão, estreia mais uma obra de Brandini debruçada sobre o dramaturgo bardo. “Desta vez, é peça inspirada na vida de Shakespeare, não uma adaptação de alguma de suas peças”, conta ele, que assina texto e supervisão geral. As Luvas de Shakespeare é o nome do espetáculo, com direção artística de Val Pires, um dos mais profícuos integrantes da Vagalum. A temporada será no Sesc Bom Retiro.
Na peça, vamos conhecer a infância do menino Shakespeare, desde quando ele assiste, pela primeira vez, a uma peça de teatro, o que desperta nele o desejo de ser ator e seguir com um grupo de atores mambembes que passa por sua cidade. Esse menino guarda consigo um par de luvas e só consegue escrever suas peças quando as usa – até que as perde e, com elas, também desaparece sua inspiração. “Essa trama eu inventei”, relata Brandini. “Tive essa ideia há muito tempo. Sempre quis contar a história de vida de Shakespeare. O pai dele fabricava e vendia luvas e ele ajudava o pai nessa função. Eu quis fazer um tipo de ligação das luvas com ele.”

Brandini lembra que a história real do grande dramaturgo, talvez o maior de toda a história do teatro ocidental, tem algumas lacunas. “Muito tempo já se passou e os historiadores e pesquisadores tiveram de deduzir algumas coisas”, diz Brandini. “Há, por exemplo, um período de sete anos na vida dele em que ninguém sabe o que aconteceu, não tem nada registrado, é como se ele tivesse desaparecido. Quis então fazer a peça a partir desta lacuna misteriosa. Aí é que entram as luvas, que são mágicas e também desaparecem nesse período, segundo inventei na ficção.”
A proposta da peça é plantar em cada criança da plateia uma semente de criação. Brandini explica: “Eu conto o movimento da vida de um grande autor e poeta. Retratando uma criança que gosta de escrever e tem amor pela leitura, a gente acaba incentivando as crianças que vão ver a peça a também escreverem suas próprias histórias. Assim, eu retrato Shakespeare como um menino muito curioso e que adora teatro. É comprovado que ele via teatro desde muito criança.”

No elenco de As Luvas de Shakespeare, estão Christiane Galvan, David Taiyu e Wesley Salatiel. Um trio e tanto. Talentos acima de qualquer suspeita. “Os três fazem o personagem Shakespeare, em uma espécie de rodízio”, adianta Brandini. “É muito importante mostrar esse jogo do teatro para as crianças, ou seja, as possibilidades diversas que o palco oferece aos intérpretes. Além do mais, é como se Shakespeare fosse todos nós, por isso que cada ator faz o bardo em diferentes fases de sua vida.”
Os figurinos são mais uma vez de Christiane Galvan, a cenografia é de Bira Nogueira e a trilha sonora, de André Abujamra – outro trio fiel à Vagalum. Brandini comenta: “A Chris tem essa peculiaridade de conhecer nossa linguagem há tempos e transfere isso para os figurinos de forma sempre linda. O Bira é o nosso cenógrafo premiado com o Shell. E as trilhas do Abu, que está conosco desde Meu Reino por Um Cavalo, sempre nos surpreendem. Ele faz trilhas bem diferentonas”. Na ficha técnica, estão ainda Lígia Chaim no desenho de luz e Vivien Buckup na direção de movimentos.
Serviço
As Luvas de Shakespeare
Sesc Bom Retiro. Alameda Nothmann, 185. Telefone: (11) 3332-3600
Domingos e feriados, 12h. Sessão extra: dia 30/5, sexta, 10h. R$ 40 (crianças até 12 anos não pagam)
Até 8 de junho (estreia dia 1º de maio)