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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Teatro para crianças feito sem medo de barreiras ou tabus

Sinopse

Mostra de teatro de bonecos da companhia Caravan Maschera chega ao Teatro Alfredo Mesquita, de graça, com dois infantis que falam de temas normalmente considerados ‘difíceis’ para o público mirim 

Por Dib Carneiro Neto (publicada em 16 de maio de 2025)

Depois de lotar a plateia do Espaço Sobrevento no começo do mês de abril, a Cia Caravan Maschera volta a apresentar a Mostra Bonecos sem Fronteiras, desta vez no Teatro Alfredo Mesquita, nos dias 16, 17 e 18 de maio, também com sessões gratuitas. São três peças adultas e duas infantis.  A Cia Caravan Maschera Teatro, fundada em 2010 na Itália, chegou ao Brasil dois anos depois, mesclando as linguagens de máscara, palhaço, bufão e bonecos, e já participou de festivais internacionais na França, Itália, Eslovênia e Suíça.

Os dois infantis da mostra, Tiringuito, Luisa e a Morte e Hoje, Godot Não Vem!, têm sido recebidos com surpresa e encantamento pelo público mirim, segundo nos garante o diretor, dramaturgo e ator da companhia, Leonardo Garcia Gonçalves. Ele diz: “Crianças demonstram uma capacidade natural de lidar com temas complexos, quando apresentados de forma lúdica e poética. A abordagem em cena mistura humor, fantasia e técnica tradicional de bonecos, o que cria uma conexão imediata. O público mirim é seduzido por esses elementos, para depois ser levado às profundidades dos temas”.

Cena de Tiringuito, Luísa e a Morte. Foto Leonardo Garcia

Ele exemplifica essa aceitação com o caso de Tiringuito..., em que, segundo ele, a Morte é humanizada como uma figura brincalhona, simpática “e que também comete erros ao levar consigo pessoas que amamos em hora errada”. E acrescenta: “O que percebo dos comentários após os espetáculos é que os medos são desarmados e dão espaço à curiosidade de tentar entender as coisas que causam receio nos pequenos (e nos adultos)”.

No caso do outro infantil, Hoje, Godot Não Vem!, Leonardo garante: “A ‘curiosidade filosófica’, natural das crianças, toma forma na justaposição de cenas, imagens, bonecos, projeções e canções, que permitem às crianças absorver metáforas de forma consciente. Mas nem sempre… Às vezes escuto comentários do tipo ‘não entendi’, mas na verdade é que ninguém entende tudo (nem eu!). Porém, elas tecem teorias e divagações sobre o que estão vendo. Além, é claro, de sentirem as sensações que emanam da cena: a compaixão em ver o menino ser obrigado a usar sapatos grandes demais, o medo dos adultos de olhos sem brilho, a vontade de chorar ao ver um dos bonecos encontrar consigo mesmo mais velho, etc… Relatos de professores e pais destacam como as crianças reproduzem cenas e questionamentos dos espetáculos depois das sessões, sinalizando um impacto inesperado de leituras novas e surpreendentes”.

Como se vê, Leonardo fala com muita propriedade sobre a recepção do público aos espetáculos infantis. Vamos saber mais: “Como diretor e autor dos textos da cia Caravan Maschera desde 2010, parto de princípio de que não é conveniente a subestimação da criança e percebo o teatro dito infantil como espaço de confronto poético, não apenas didático.  Mesmo para o público mais jovem, arriscar falar de temas mais profundos é uma jornada que demanda um mergulho em nossas próprias infâncias, em confronto com nossas ingenuidades adultas. Creio que essa seja uma combinação que permite aos espetáculos criar conexão e identificação do público infantil junto do público adulto que acompanha as crianças nas sessões”.

Leonardo é o tipo de autor que não enxerga temas interditos para crianças no teatro – e isso é incrível, sobretudo num tempo em que a censura nos rondou, por “conta de retrocessos e ignorâncias políticas.  “Eu acredito que o teatro infantil não deve se limitar a entretenimento superficial. Nada contra, mas são tempos em que investir no público infantil é investir no público adulto do futuro. E esse precisa ter senso crítico. Temas como morte e amadurecimento são universais e, quando tratados com a sensibilidade artística dos bonecos, ajudam a criança a elaborar questões existenciais que já permeiam seu cotidiano (perda de um animal de estimação, mudanças na família etc.).”

Cena de Hoje, Godot Não Vem! Foto Flávia Hiroki

O diretor prossegue: “Tiringuito… transforma a morte em uma brincadeira, desconstruindo tabusGodot fala da angústia de crescer sem impor respostas prontas. Isso respeita a inteligência emocional da criança e estimula seu pensamento crítico. Buscar falar com a criança, reconhecendo sua capacidade de lidar com ambiguidades e admitindo a fantasia subjetiva de cada um para criar explicações para o que não conseguem entender ‘de pronto’, difere muito de adaptar um discurso ‘facilitado’ para a criança. Elas encontram sozinhas ou com a ajuda daqueles adultos que as acompanham no teatro as respostas para os enigmas da peça. O importante para mim é o pós teatro. Aquilo que acontece depois da saída da sala. Não necessariamente sobre a peça em si, mas sobre as sensações que temos após o B.O. final”.

Já que Leonardo fala com tanta clareza dessa necessidade de encararmos sem medo o público mirim, prosseguimos conversando com ele sobre as diferenças entre fazer teatro para adultos e crianças em sua companhia, a Caravan Maschera. “Para a companhia, a fronteira entre os públicos é mais fluida do que se imagina”, comenta ele. “Ambos exigem rigor estético e profundidade temática. A ingenuidade dos personagens adultos que invento ou adapto dialogam com a criança interior ou com a memória infantil de cada um. Na linguagem do boneco, tanto o público infantil quanto o público adulto encontram na economia de palavras e na potência visual sensações únicas que pertencem a esse modo de se contar as coisas em cena.  Enquanto um espetáculo adulto como Vigiar e Punir ou Monsanto Mon Amour explora nuances políticas e filosóficas com ironia e abstração, o infantil trabalha com metáforas mais claras e concretas. Porém, ambos bebem da ambiguidade e do encanto da imagem, da escultura e da forma que se anima no palco. A diferença crucial está no vocabulário de vivências de vida e na ilusão que o boneco traz. A criança não se importa em separar teatro e a fantasia da vida real: tudo pode estar no mesmo lugar e não tem problema. O adulto, por outro lado, se incomoda com a incoerência fantasiosa e onírica. E é isso que o teatro de bonecos que faço quer resgatar: a nossa fantasia de encontrar significados nas coisas. Olhar para uma mesma coisa e ver que ela está diferente. Mas ela está diferente porque eu mudei. Impossível não citar Adélia Prado: “De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo”.

Serviço

Mostra Bonecos Sem Fronteiras

Teatro Alfredo Mesquita – Av. Santos Dumont, 1770 – Santana

16 de maio, às 20h: Vigiar e Punir. Duração: 75 minutos. Classificação: 16 anos
17 de maio, às 16h: Hoje, Godot Não Vem! (infantil). Duração: 60 minutos. Classificação: 8 anos
17 de maio, às 20h: Vidas Secas. Duração: 65 minutos. Classificação: 12 anos
18 de maio, às 16h: Tiringuito, Luísa e a Morte (infantil). Duração: 50 minutos. Classificação: 8 anos
18 de maio, às 19h: Monsanto Mon Amour. Duração: 65 minutos. Classificação: 14 anos

Ingresso grátis. Retirada na bilheteria com 1 hora de antecedência

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Ficha Técnica

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Serviço

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