Sucesso nos palcos paulistanos em 2019, musical está de volta para falar com as crianças sobre identidade e pertencimento, homenageando a cultura nordestina, os ritmos musicais brasileiros e a literatura de cordel
Por Dib Carneiro Neto (publicada em 18 de abril de 2025)
É sempre confortante e auspicioso saber que um espetáculo para crianças ganha o gosto do público e atravessa os anos se renovando e realizando diversas temporadas. O Mágico di Ó, em cartaz no Teatro Itália até o fim deste mês, estreou em 2019 e mostra de novo toda a sua força ao fisgar a nova geração com essa atraente adaptação de um clássico universal para a realidade do Nordeste brasileiro.
A peça mistura literatura de cordel, ritmos musicais brasileiros e temas como o pertencimento e a identidade, com texto de Vitor Rocha, que até já se transformou em um livro premiado e em um filme ainda inédito, dirigido por Pedro Vasconcelos. Não há como negar. Trata-se de um grande espetáculo da vertente de entretenimento, procurando valorizar a cultura nordestina.
O Mágico de Ó é um excelente musical para consumo de grandes massas. Nessa linha de ser um produto teatral bem-acabado, que arrebata as plateias do começo ao fim, contribuem sobremaneira com seu talento os diretores cênicos Ivan Parente e Daniela Stirbulov e a direção musical do premiado Marco França. Esse trio de diretores soube enxergar o texto como um manancial de possibilidades empáticas e se manteve firme no propósito de cativar plateias de todas as idades, alcançado resultados acima da média.

Seja cantando ou interpretando, cada um do elenco tem sua hora e sua vez de brilhar – e todos dão conta do recado. “Eu tive a oportunidade de crescer junto com a Dorotéia ao longo desses anos”, declara a atriz e produtora Luíza Porto, que faz a personagem principal, conhecida no cinema como Dorothy e aqui é Dorotéia. “Lembro que, no início do processo, para mim era difícil acessar o lugar da firmeza e entendimento daquele universo. De lá para cá, gravamos no sertão, vivemos diversas temporadas, passamos pela pandemia e hoje sinto que a maturidade me faz acessar e rechear a personagem com a leveza e a firmeza necessárias para seguir a jornada em busca do seu sonho. Cada um que entra no nosso espetáculo traz um pouco de si e transforma a relação também. É uma sensação de novidade e casa ao mesmo tempo.” Como ensina esse clássico, não há lugar como o lar.
Como produtora, ela aposta em cada volta da animada montagem. “Eu sempre acho a mensagem do Mágico di Ó muito pertinente e divertida para estar em cartaz”, comenta. “Poder levar alegria, uma boa história e ainda de quebra uma mensagem linda para aquecer os corações é o que me faz sempre voltar com essa história há 6 anos. Trata-se de uma jornada de coragem e fé, o desafio dos nossos dias dentro e fora dos palcos. Recentemente o livro de Vitor Rocha baseado no espetáculo recebeu o selo de Altamente Recomendável e está disponível em todas as escolas do Brasil. Nosso retorno agora é para também fazer a ponte com as crianças, professores e escolas, a fim de juntarmos arte com educação. Falar da literatura de cordel, com músicas originais, homenageando tantos artistas nordestinos por meio do teatro, é a ferramenta de transformação que acredito.”
Bastidores da remontagem
O diretor Ivan Parente nos fala das atualizações para esta atual temporada: “Dirigimos esse espetáculo pela primeira vez em 2019, então foi inevitável repensar muita coisa agora nessa volta. Atualizamos as marcas, o ritmo, a sonoridade – já que agora temos microfones – e também buscamos mais nuances nos personagens. Pedi, por exemplo, que a Renata Versolato trouxesse uma Bruxa Boa mais materna, para equilibrar com o tom mais engraçado do Diego Rodda (Bruxa Má), e evitar que tudo ficasse em um mesmo registro. Com isso, fomos dando mais dinamismo e contrastes para a encenação.”
Parente acrescenta: “Foi muito importante também abrir espaço para atores com representatividade nordestina, como o Mateus Ribeiro e o Davi Sá, que trouxeram frescor e novas camadas à montagem. Conseguimos dar uma cara nova à peça, respeitando sua essência, mas com um olhar renovado. Acho que ganhamos muito nessa nova volta”.

Ivan Parente nos conta mais bastidores do processo de remontagem: ”Ao longo do tempo, percebemos que, embora a proposta sempre tenha sido de um espetáculo infanto-juvenil, ele acabava sendo lido apenas como infantil. Com isso, quisemos fazer ajustes para dar mais ritmo à narrativa e deixar a encenação mais envolvente, principalmente a partir do momento em que os três personagens se encontram. Sentíamos que havia uma ‘barriga’ ali, especialmente na cena da bifurcação e na chegada do Leão (Thiago Sak). O ‘Alumia’, por exemplo, era um momento que queríamos que fosse mágico, mas ainda não acontecia da forma como imaginávamos. Então sentei com a Luiza, e mesmo com o Vitor à distância, ele ouviu tudo o que propus e reescreveu uma cena inteira, reduzindo-a pela metade e tornando-a mais dinâmica. Além disso, incluímos um novo personagem – o motorista (Daniel Warschauer), que abre o espetáculo e conduz essa viagem pelo caminho de tijolos amarelos. O Marco França também revisou os arranjos, deu uma nova roupagem às músicas e à abertura vocal. A ideia era deixar o espetáculo mais plástico, mais leve, e até o Mamulengo (Mateus Ribeiro) ganhou mais liberdade em cena, sem a necessidade de tocar instrumento o tempo todo, o que foi ótimo.”
Palavra de autor
O dramaturgo do espetáculo, Vítor Rocha, entra na conversa para nos esclarecer sobre a importância de promover empatia na plateia. Ele diz: ”Desde o início do processo de criação do Mágico, uma das coisas que mais perseguimos foi a identificação do público, fosse na trama, nas personagens ou até mesmo no recado que Osvaldo queria levar para Dorotéia com essa aventura toda. O importante para nós era conseguir fazer com que o povo se visse, para o bem ou para o mal – pra se orgulhar ou pra receber a crítica -, mas se enxergasse ali, no palco. E aí, quando estivesse desarmado e se sentindo parte de nós, conseguiríamos falar de igual pra igual sobre a importância do pensamento coletivo, das riquezas que o dinheiro não compra e muito mais”.

Vítor continua: “Aquele era um ano complicado para a cultura (2019) – e olha que a pandemia ainda nem tinha chegado! – e o sentimento de orgulho por sermos brasileiros, pela nossa cultura, estava constantemente balançado. Era urgente demais botar o pé no chão, vestir toda essa vontade com rima, com fantasia e bater no peito, lembrando que no fim, o melhor lugar era onde estávamos, aqui. E como nós enxergamos esse lugar é o que dita como ele é, como pode ser – e não o contrário. Bom, de lá pra cá, muita coisa mudou em nós e no mundo, mas é um sentimento agridoce saber que a história ainda tem muito a dizer e que, talvez, sempre tenha. Para mim, e felizmente, pelo que estamos vendo, para todo o público, segue sendo urgente lembrarmos que ‘cada um (consigo e com o outro) tem sua parte e que não existe solo tão pobre em que não possa brotar arte, lembrar que a seca pode ser fonte’”.
Serviço
O Mágico di Ó
Teatro Itália. Av. Ipiranga, 344 – Subsolo do Ed. Itália
Sábado e domingo, 15h. R$ 120
Até 27 de abril (estreou 5 de abril)