Para celebrar seus 35 anos de trajetória, a premiada Cia. Truks de Animação encena “Serei Sereia”, no Sesc Belenzinho, sobre a realidade de preconceitos e limitações que atinge uma criança em sua cadeira de rodas
Por Dib Carneiro Neto (publicada em 25 de abril de 2025)
Por volta de 2012 ou 2013, Kely de Castro era integrante da Cia Truks de Teatro de Animação. Trabalhou como atriz, entre outros, em O Senhor Dos Sonhos e Por Uma Estrela. Nessa época, participou de uma oficina sobre dramaturgia para bonecos, ministrada na Biblioteca Monteiro Lobato, em São Paulo, por Henrique Sitchin, fundador, dramaturgo e diretor da Truks. Durante essa oficina, surgiu a ideia de trabalharem com uma personagem cadeirante. Na investigação sobre quem seria essa personagem, Kely faz a bonita associação com uma sereia: com uma cauda em lugar de pernas, a sereia não poderia andar no mundo dos humanos. Daí foi um passo para chegarem à ideia de que ser sereia estaria na imaginação da menina Inaê, a protagonista cadeirante.
Surgiu, assim, algum tempo depois, o livro Serei Sereia, de Kely de Castro, que enviou um exemplar para Sitchin. Ele fez a adaptação para a dramaturgia e, depois do período pandêmico, o projeto foi contemplado pelo edital de peças inéditas do PROAC. “Eu estou muito feliz com nossas primeiras experiências”, diz ele. “Estamos desde o início do mês viajando com o espetáculo e já nos apresentamos até em quadras poliesportivas, nas escolas visitadas. Tenho ficado muito satisfeito com o super silêncio com que as crianças assistem ao espetáculo, mesmo em ambientes difíceis como essas quadras. Elas ficam concentradíssimas.”

No sábado, dia 19, Serei Sereia, da Truks, iniciou temporada no teatro do Sesc Belenzinho, em São Paulo, e, segundo o diretor-adaptador, o resultado foi o mesmíssimo: “Muita concentração na plateia, mesmo de crianças bem pequenas, e muita emoção também”. Interpretada e manipulada por Aguinaldo Rodrigues, Stefany Araújo, Thaís Rossi, Michelle Racaneli e João Santiago, a peça é densa, em alguns momentos um pouco triste, como nos conta Sitchin. “Mas vemos que mobiliza nas crianças o que mais queremos: a cumplicidade, o esforço de entendimento do outro, a empatia.” Nas apresentações do Proac, a Truks – prestes a completar 35 anos de trajetória – fazia uma conversa com as crianças, ao final da peça. Ele faz questão de reproduzir uma dessas conversas, com exclusividade para o Canal Teatro MF:
Criança: Na verdade, Inaê é sereia ou menina?
Truks: O que você acha? Ela é sereia ou menina?
Criança: É menina… que imagina ser uma sereia, né? Mas eu fiquei pensando se não seria melhor para ela, na verdade, ser sereia. Mas aí ela não ficaria perto da mãe verdadeira, e ia ficar triste… E eu queria que ela só ficasse feliz!
Truks: Mas será que dá pra gente ser feliz o tempo todo? Você às vezes fica triste, igual a Inaê?
Criança: Eu fico, mas a Inaê é tão legal que eu queria que ela fosse feliz o tempo todo…
Emocionado, Henrique Sitchin comenta: “Estamos muito contentes com essa cumplicidade e empatia que o espetáculo gera. Essa peça mobiliza muitos sentimentos. E fora isso, professores e diretores de escolas têm vindo nos falar o quanto é importante essa abordagem sobre os cadeirantes, os preconceitos ainda velados, a falta de preparo da sociedade ao tratar o tema, e o quanto esse trabalho é necessário”.

Sobre a técnica de manipulação de bonecos aplicada ao espetáculo, Sitchin diz: “Voltamos a trabalhar com os nossos bonecos de manipulação direta, como em A Bruxinha, Cidade Azul, Vovô, entre outros. Mas desta vez com alguns desafios a mais: há uma cena que acontece toda no fundo do mar, e ali animamos peixes e sereias, sem a presença do balcão sempre presente para a animação dos bonecos. O grande desafio era fazer as sereias nadarem pelo espaço, de forma convincente e bonita. Mas, sobretudo, enfrentamos mais uma vez a grande questão que norteia todas as montagens da Truks: seja qual for a técnica, a vida dos bonecos não depende de movimentos.”
E ele continua: “A ilusão máxima da vida é criada na medida em que conseguimos fazer os bonecos sentirem emoções verdadeiras, pensarem, enfim, terem o que chamo de ‘vida interior’. Isso é o que os faz parecerem magica e assombrosamente vivos. Se o boneco for feito de garrafa pet, é preciso fazer a garrafa sentir emoções profundas, e ter pensamentos complexos. Independentemente de movimentos. Essa é a mágica, na minha opinião. A menina Inaê, na peça, está sempre em sua cadeira de rodas, e acaba tendo poucos movimentos possíveis, mas estou muito feliz em considerar que já é uma das mais marcantes personagens da Truks, por tanta intensidade de vida que carrega”.
Serviço
Serei Sereia
Sesc Belenzinho. Rua Padre Adelino, 1.000
Sessões sábado (26/4), domingo (27/4), quinta (1º/5), sexta (2/5), sábado (3/5) e domingo (4/5), 12h.
R$ 40 – Grátis para crianças até 12 anos