Com 21 espetáculos adultos e infantis gratuitos, o evento chega a sua sexta edição, entre os dias 5 e 21
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 4 de dezembro de 2025)
“Meu nome é Othon Bastos, sou um ator brasileiro, tenho 92 anos e não me entrego, não!”, com esta frase um dos maiores ícones da dramaturgia nacional finaliza o espetáculo que emocionou milhares de pessoas no Sesc 14 Bis e no Teatro Sérgio Cardoso neste ano.
O monólogo Não me Entrego, Não!, escrito e dirigido por Flávio Marinho, volta à cidade como um dos destaques da Mostra 2025 Em Cena, promovida pela Secretaria Municipal de Cultura. As apresentações estão marcadas para este fim de semana, entre a sexta, dia 5, e o domingo, 7, no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, zona leste. No palco, Bastos relembra sua história pessoal e revive personagens marcantes de uma trajetória de sete décadas.

O evento chega a sua sexta edição, entre 5 e 21 de dezembro, com 21 espetáculos adultos e infantis de múltiplas temáticas – seis a mais que no ano passado. A programação gratuita se espalha por outros três espaços culturais da Prefeitura, além do Arthur Azevedo: os teatros Alfredo Mesquita, na zona norte, Cacilda Becker, na zona oeste, e Paulo Eiró, na zona sul. Os ingressos são distribuídos no local com duas horas de antecedência.
Júlio César Dória, supervisor dos teatros da Prefeitura e curador do evento, selecionou a programação entre mais de 200 espetáculos conferidos ao longo do ano. “O recorte coloca em perspectiva o que passou pelos palcos paulistanos em 2025, desde aquelas peças elogiadas e indicadas a prêmios até outras menos divulgadas, mas que trazem reflexões oportunas e merecem um novo olhar”, explica Dória. “São Paulo recebe tantas mostras ao longo do ano que não podemos ficar restritos às temporadas regulares e escolhemos ainda trabalhos que tiveram passagens rápidas por aqui”, justifica o curador.
Um dos exemplos é o espetáculo Língua, produção carioca dirigida por Vinicius Arneiro, que fez três sessões no Itaú Cultural, dentro da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, em março. A peça, uma marcante experiência para surdos e ouvintes que não se limita ao tema da inclusão, ganha novas chances no Teatro Cacilda Becker, na zona oeste, nos dias 13 e 14.
Com uma proposta bilíngue, Língua enfoca um protagonista surdo, o motorista de táxi Matias (interpretado por Ricardo Boaretto), sem que a deficiência seja o mote da história e trata ainda de adoção, sexualidade e diferenças culturais. Erika Rettl, Filipe Codeço, Jhonatas Narciso e Luize Mendes Dias completam o elenco.

“Nós queremos contar uma história que proporcione, sobretudo ao público surdo, a experiência de acompanhar uma trama, assim como nós, ouvintes, da forma mais corriqueira possível”, diz Arneiro, que divide com Pedro Emanuel a dramaturgia premiada com o Shell deste ano no Rio de Janeiro. “O objetivo é dar a oportunidade de esse público se reconhecer e passar uma experiência teatral sob a perspectiva da ficção.”
A dramaturga e atriz Fran Ferraretto se entusiasmou ao saber que o Teatro Alfredo Mesquita, na zona norte, é bastante frequentado por jovens. É que lá que será apresentado neste fim de semana o espetáculo Adulto, dirigido por Lavínia Pannunzio, em que Fran, além de autora, contracena com Iuri Saraiva, Jennifer Souza e Sidney Santiago Kuanza. No palco, ela interpreta uma mulher em processo de emancipação de um casamento tóxico que transforma a vivência em uma peça de teatro.
“A descentralização é a certeza de que vamos encontrar trocas inéditas com públicos de realidades diferentes e, principalmente, com as novas gerações, que tem na entrada franca um grande facilitador”, diz Fran. “A gente fez uma peça, que, embora fale dos conflitos de casais entre os 30 e os 40 anos, gera identificação nestes jovens que estão entrando no mercado de trabalho e começando a se relacionar intimamente.”

No mesmo Arthur Azevedo que receberá o ator Othon Bastos outros três espetáculos de temáticas distintas ocupam a grade. Dois Papas, peça de Anthony McCarten dirigida por Munir Kanaan, é protagonizada por outros dois grandes intérpretes, Celso Frateschi e Zécarlos Machado, que representam respectivamente Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, e Bento XVI. Na trama, o cardeal argentino Bergoglio pretende se aposentar devido às divergências com Bento XVI, representante de ideias conservadoras. O encontro entre esses dois homens de pontos de vistas opostos servirá de teste de tolerância contra o radicalismo de ambos.
O diretor Munir Kanaan ressalta a importância da Mostra Em Cena como evento de descentralização cultural e formação de plateia. Dois Papas estreou no Sesc Santo Amaro, na zona sul, e passou pelo Teatro Cultura Artística, no centro. Para ele, muitas pessoas já ouviram falar da peça, mas não conseguem assisti-la por causa do tempo de deslocamento, da falta de hábito ou mesmo pelo preço do ingresso. “As mostras rompem essas barreiras e levam os espetáculos a públicos que talvez nunca aos assistissem”, declara Kanaan. “Eu cresci na zona leste, em Itaquera, e sei o quanto é transformador para um jovem entrar em um teatro pela primeira vez sem que o preço seja uma barreira.”
A atriz Angela Ribeiro, protagonista do monólogo Belmira, escrito e dirigido por Carla Zanini, afirma que, quando o artista se desloca do centro, entende que é preciso acessar qualquer tipo de público para que a mensagem cresça e possa se expandir. “Muitas vezes, fazemos teatro para a classe ou conhecidos e, sem perceber, desenvolvemos trabalhos restritos que talvez precisem de um glossário para ser entendido fora da nossa bolha”, reconhece a artista.

Em Belmira, cartaz da Sala Multiuso do Arthur Azevedo neste fim de semana, Angela interpreta uma professora que sobreviveu a um atentado na escola pública onde leciona e tenta reelaborar o trauma vivido em sua rotina estafante e pouco valorizada. “Nós estreamos no Sesc Ipiranga e fizemos apresentações no interior, em cidades como Franca, Santos e Rio Claro, sendo recebidos por educadores e plateias diversas, o que abre um espaço de diálogo essencial para a formação de uma sociedade mais justa”, completa a atriz.
O espetáculo Mural da Memória, peça escrita por Ave Terrena e dirigida por Diego Moschkovich, propõe o entrelaçamento de diferentes grupos da sociedade para promover uma reflexão sobre a ditadura militar. A montagem, que pode ser vista nos dias 13 e 14 na Sala Multiuso do Arthur Azevedo, cruza três personagens – um locutor esportivo de rádio, uma militante da luta armada e uma prostituta travesti – que colocam em discussão a memória, a justiça e o passado do país.
“Talvez algumas pessoas cheguem desavisadas ou sem saber do que se trata e vão acessar o espetáculo pela humanidade, seja pelas questões do futebol, da política ou da realidade das travestis”, observa Ave Terrena. “A nossa produção é feita para ressignificar aquilo que a gente pensou de início e esse diálogo com plateias diversas e amplas nos faz artistas mais comprometidos com o nosso tempo.”
Um dos espetáculos mais fortes da temporada, Pai contra Mãe ou Você Está me Ouvindo?, estreou no Sesc Consolação, passou pelo Galpão do Folias, os dois no centro, fez sessões no Arthur Azevedo, na Mooca, e, agora, sobe ao palco do Teatro Paulo Eiró, em Santo Amaro, na zona sul, entre os dias 13 e 15. Com dramaturgia e direção de Jé Oliveira, a peça do Coletivo Negro é uma livre adaptação de conto Pai contra Mãe, de Machado de Assis (1839-1908), para falar da herança escravocrata e desigualdades raciais contemporâneas.

No enredo, Osvaldo (interpretado por Raphael Garcia) é um homem preto que acaba de se tornar pai e, depois de um longo desemprego, trabalha em um supermercado. Um dia, ele levanta suspeitas sobre uma mulher, preta e grávida (papel de Aysha Nascimento), que, vista entre os corredores, abrindo e fechando a bolsa, pode ter roubado uma mercadoria. O ator Flávio Rodrigues é o narrador, a representação de Machado de Assis no palco.
“Depois de passar pelo centro, pela zona leste e por algumas cidades do interior, é importante chegar amadurecido à zona sul, onde a obra poderá encontrar o público a que ela diz respeito sem deixar de comunicar com a sociedade como um todo”, afirma o dramaturgo e diretor. “Vamos nos apresentar perto de uma região que já contribui muito para a cultura brasileira, como com o Sarau da Cooperifa e com os Racionais MC’s, e essa circulação traz o reconhecimento da função pública e social da arte através da fomentação e acesso gratuito.”
Serviço
Teatro Alfredo Mesquita. Avenida Santos Dumont, 1.770, Santana.
Adulto. Direção: Lavínia Pannunzio. Dias 5 e 6, 20h; Dia 7, 19h.
A Botija, Um Pequeno Inventário de Histórias Fantásticas do Nordeste Brasileiro. Cia Fabulinhando. Dias 6 e 7, 16h.
Restinga de Canudos. Cia do Tijolo. Dias 13 e 14, 20h; Dia 15, 19h.
Derrama. Cia Teatral As Graças. Dias 19 a 21, 17h.
O Sítio do Vovô Hermeto. Silencie Coletivo Percussivo. Dias 20 e 21, 16h.
Teatro Arthur Azevedo. Avenida Paes de Barros, 955, Mooca.
Belmira. Direção: Carla Zanini. Dias 5 e 6, 20h; Dia 7, 18h (Sala Multiuso).
Não Me Entrego, Não!. Direção: Flávio Marinho. Dias 5 e 6, 21h; Dia 7, 18h
Um Clássico: Matou A Família e Foi Ao Cinema. Grupo XIX de Teatro. Dias 12, 13 e 14, às 17h
Serei Sereia?. Cia Truks. Dias 13 e 14, 16h.
Mural da Memória. Laboratório de Técnica Dramática (LABTD). Dias 13 e 14, 20h. (Sala Multiuso).
Dois Papas. Direção: Munir Kanaan. Dias 19 e 20, 20h; Dias 21, 19h.
Peça para Salvar o Mundo. Cia Os Satyros. Dias 19 e 20, 21h; Dia 21. 18h. (Sala Multiuso).
Teatro Cacilda Becker. Rua Tito, 295, Lapa.
Quando Crescer, Quero Ser Palhaça. Grupo Laje. Dias 6 e 7, 16h.
Pa’ra – Rio de Memórias. Direção: Marina Esteves. Dias 6 e 7, 11h.
Língua. Direção: Vinicius Arneiro. Dia 13, 18h e 21h; Dia 14, 19h.
Favela de Barro – Instáveis Moradias em Queda. Esquadrilha Marginália. Dias 19 e 20, 21h; dia 21, 19h.
Podemos Voar Sem Asas. Direção: Cris Miguel. Dias 20 e 21, 16h.
Teatro Paulo Eiró. Avenida Adolfo Pinheiro, 765, Santo Amaro.
Circo Science – Do Mangue ao Picadeiro. Trupe Circus da Escola Pernambucana de Circo. Dias 5 e 6, 21h; Dia 7, 19h.
Cidade Brinquedo. Grupo Esparrama. Dias 13 e 14, 16h.
Pai Contra Mãe Ou Você Está me Ouvindo?. Coletivo Negro. Dias 13 e 14, 21h; Dia 15, 19h.
Carta à Rainha Louca. Núcleo Toada. Dias 19 e 20, 21h; Dia 21, 19h.

























