Mostra paranaense abre as cortinas em 24 de março com 300 espetáculos, entre sucessos nacionais, produções da Argentina e do Uruguai e eixos sobre teatralidade, velhice e montagens locais
Por Dirceu Alves Jr.
Depois de dois anos com um olhar focado na diversidade e nas pautas identitárias, o Festival de Teatro de Curitiba busca a comunicação ampla e a pluralidade temática na sua 33ª edição. O evento, que se realiza de 24 de março a 6 de abril na capital paranaense, vai receber mais de 300 espetáculos de todas as regiões do país, além de três produções da Argentina e uma do Uruguai, o que sinaliza um desejo de internacionalização da mostra.
Uma das diretoras do maior festival de artes cênicas do país, Fabíula Passini justifica que o objetivo é conversar com diferentes plateias e despertar a curiosidade de quem não cultiva o teatro como um programa habitual. “A curadoria investiu um uma programação aberta e voltada para assuntos de múltiplos interesses”, afirma. “Não queremos falar só com o público de teatro, mas com o público em potencial da cidade e dos arredores.”

Os ingressos para as 28 montagens que compõem a Mostra Lúcia Camargo, a vitrine principal do festival, começam a ser vendidos nesta quinta, 6, com valores que chegam ao máximo de 80 reais – o mesmo preço da edição passada.
Dentro desse espírito democrático, a abertura terá o espetáculo Os Mambembes, no dia 24, no Teatro Positivo. Uma possível apresentação ao ar livre, na Praça Santos Andrade, é estudada para o dia seguinte. Paulo Betti, Leandro Santanna, Orã Figueiredo, Cláudia Abreu, Deborah Evelyn e Julia Lemmertz, além do músico Caio Padilha, representam os integrantes de uma trupe que corre o país na versão do clássico de Artur Azevedo (1855-1908). “É uma obra que conversa com todo o tipo de espectador e homenageia o ser artista”, define Fabíula.

A curadoria, formada pela atriz e produtora Giovana Soar, a pesquisadora Daniele Sampaio e o crítico Patrick Pessoa, correu festivais nacionais e internacionais e ficou atenta aos destaques nos palcos das capitais brasileiras. Prima Facie, monólogo de Débora Falabella, o musical Ray – Você não me Conhece, dirigido por Rodrigo Portella, Brilho Eterno, comédia romântica protagonizada por Reynaldo Gianecchini, O Céu da Língua, solo de Gregório Duvivier, e O Avesso do Avesso, coletânea de esquetes com Heloísa Périssé e Marcelo Serrado, figuram entre os títulos que devem lotar os 2,5 mil lugares do Teatro Guaíra. “Tivemos percalços no caminho e recorremos a alguns planos B, mas sem descaracterizar a linha de programação”, conta Giovana. “Queríamos muito trazer Rita Lee – Uma Autobiografia Musical e Torto Arado, o Musical, mas se tornou impossível por causa das agendas.”
Uma das novidades da edição é dividir a Mostra Lúcia Camargo em eixos temáticos, como se fossem pequenos festivais dentro do festival. O Eixo Teatro no Espelho, por exemplo, reúne seis peças que tratam do fazer artístico e três delas são inspiradas em A Gaivota, clássico do russo Anton Tchekhov (1860-1904). Ao Vivo [Dentro da Cabeça de Alguém], parceria da Companhia Brasileira de Teatro com a atriz Renata Sorrah, Júpiter e a Gaivota – É Impossível Viver sem Teatro, dramaturgia e direção de Ada Luna que vem de Brasília, e Gaviota, encenação argentina de Guillermo Cacace, com um elenco feminino, ganham destaque. “O público vai ter a chance de ver A Gaivota de três formas diferentes”, avisa Giovana. “Uma delas na íntegra, outra em uma versão fragmentada e uma terceira interpretada só por mulheres.”

O Eixo Futuro Ancestral traz espetáculos sobre a memória e a velhice. A companhia paulistana O Bonde leva a Curitiba a peça Bom Dia, Eternidade, enquanto a montagem mineira O Fim é Outra Coisa, protagonizada por Zora Santos, reproduz o quintal e a cozinha da intérprete permeados de recordações da cultura preta no Brasil. Vem de Florianópolis, Homens Pink, solo de Renato Turnes costurado por depoimentos de gays com mais de 50 anos. “Mas a grande estrela deste eixo e talvez do festival é o espetáculo argentino A Velocidade da Luz”, dizem, em uníssono, Fabíula e Giovana.
Concebido pelo diretor Marco Canale, A Velocidade da Luz teve uma passagem comovente pelo Mirada – Festival Iberoamericano de Artes Cênicas, em Santos, em setembro. O espetáculo é criado junto a pessoas idosas, atores e não atores, que, depois de inscritos em um processo, compartilham memórias da cidade em que habitam, no caso, desta vez, Curitiba. A equipe de Canale chega ao Paraná na primeira semana de março para selecionar cerca de 30 candidatos que participarão da construção da dramaturgia e da encenação na Praça Santos Andrade em 5 e 6 de abril.
Do Uruguai, o espetáculo El Desmontaje aparece cercado de expectativas para as sessões dos dias 29 e 30, na Caixa Cultural. A atriz Jimena Márquez, em um híbrido de conferência, documentário e peça, cruza informações de sua vida com as de diversas personalidades do teatro do seu país. “É algo bastante interessante, tem características que lembram a obra do dramaturgo Sergio Blanco de um jeito muito bem-feito”, comenta Giovana.

Entre as produções curitibanas, Daqui Ninguém Sai faz estreia nacional nos dias 26 e 27 no Teatro Guairinha. Sob a direção de Nena Inoue, a montagem celebra o centenário do escritor Dalton Trevisan (1925-2024) com texto inspirado em trinta contos e cartas inéditas do autor e um time de atores e atrizes que reúne, entre outros, Simone Spoladore. Outro nome ilustre da cidade, o poeta Paulo Leminski (1944-1989) serve de base para Cabaré Haikai, dirigido por Roddrigo Fôrnos no Teatro José Maria Santos nos dias 25 e 26, e a Cia. Stavis-Damaceno exibe Nebulosa de Baco, peça com Rosana Stavis e Helena de Jorge Portela, programada para 5 e 6 de abril, no Guairinha.
Sucesso do ano passado com a peça Cabaré Chinelo, os amazonenses da Cia. Ateliê 23 voltam ao evento com o musical Sebastião, que ocupa o Guairão nos mesmos dias 5 e 6. No palco, sete drag queens cantam e contam experiências no Bar Patrícia, o primeiro reduto do público LGBT em Manaus que desafiava a época da ditadura militar. “Existe uma regra de não repetirmos grupos participantes da edição anterior do festival, mas abrimos exceção para o Ateliê 23, sem dúvida, a principal companhia da Região Norte, devido a força deste trabalho”, argumenta Giovana. “Somos o primeiro festival do ano e a nossa função é fazer com que os espetáculos sejam vistos e possam garantir circulação por outras cidades.”
Falando em circulação, o Festival de Curitiba reúne 280 espetáculos que podem ser vistos em teatros, ruas e parques da capital e da região metropolitana em um tradicional canal alternativo. Inspirado na vitrine paralela do Festival Internacional de Edimburgo, o chamado Fringe chega até a enfrentar preconceito devido a sua quantidade de ofertas e, muitos dizem, que é difícil acertar na escolha em meio a tanta opção. Foi no Fringe, por exemplo que o diretor Felipe Hirsch e a Sutil Companhia de Teatro despontaram com A Vida é Cheia de Som e Fúria e o Grupo XIX, de São Paulo, chamou atenção com Hysteria e Higiene, todos no começo da década de 2000.

A programação deste ano parece disposta a desmentir a teoria que questiona a qualidade das atrações e, entre as centenas de convidados, tem, pelo menos, dois nomes de reconhecida projeção. O dramaturgo e diretor Mário Bortolotto marca presença com quatro peças, Efeito Urtigão, Notícias de Naufrágios, Deve ser do Caralho o Carnaval em Bonifácio e Whisky e Hambúrguer, e traz um show da sua banda de rock e blues Saco de Ratos.
Já o diretor Luiz Fernando Marques Lubi apresenta dois espetáculos na Casa Hoffmann. Ainda Sobre a Cama, com Camila Cohen, Duda Machado e Luiz Felipe Bianchini, e Um Clássico: Matou a Família e Foi ao Cinema, com Bruna Mascarenhas, Carlos Jordão, Clara Paixão, Lucas Rocha e Walmick de Holanda, propõem reflexões sobre as relações entre o corpo, a narrativa e o espaço cênico.“O Fringe é sempre uma forma de renovação porque naturalmente atrai a juventude”, diz Fabíula. “Na mostra oficial, temos espetáculos como Alaska, com o ator Rodrigo Pandolfo, e Brilho Eterno, com o Gianecchini, que chamam a atenção da garotada, mas o Fringe simboliza a pluralidade que tanto perseguimos e costuma ser valorizada pelas novas gerações.”