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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

“Um Jardim para Tchekhov” propõe diálogo contemporâneo com obra do russo

Sinopse

Comédia dramática de Pedro Brício dirigida por Georgette Fadel e estrelada por Maria Padilha conecta questões da arte e do cotidiano em ação ambientada em um condomínio de classe média

Por Dirceu Alves Jr.

A atriz Maria Padilha, de 64 anos, volta no tempo e se lembra com orgulho da montagem de As Três Irmãs, peça de Anton Tchekhov (1860-1904), que produziu em 1999 e manteve em cartaz até meados de 2000. No palco, ela, Julia Lemmertz e Cláudia Abreu viviam as protagonistas ao lado de um elenco de dez atores e atrizes de experiências e pesos dramáticos similares sob a direção de Enrique Diaz. “Era Celso Frateschi, Luciano Chirolli, Débora Duboc, Fernando Eiras, Yolanda Cardoso, um time impossível de ser reunido há algum tempo por questão de orçamento”, recorda. “O meu sonho de voltar a Tchekhov esbarrava neste empecilho e vi que precisaria criar uma saída para realizá-lo.”

Em 2019, Maria provocou o dramaturgo Pedro Brício, com quem tinha acabado de trabalhar no monólogo Diários do Abismo, a escrever uma peça original que conversasse com o universo do autor russo. “Comecei a ler a obra de Tchekhov e entendi que podia falar de intolerância e cisões familiares, algo que gritava para nós naquela polarização acirrada”, comenta Brício. “Mas eu queria o Tchekhov como personagem e veio essa ideia de uma atriz decadente com o sonho de montar O Jardim das Cerejeiras e, assim, a peça falaria de um repertório teatral que não é mais encarado por falta de estrutura de produção.”   

Cena de Um Jardim para Tchekhov. Foto Guto Muniz

Um Jardim para Tchekhov nasceu no começo da pandemia, rendeu uma série on-line sobre o processo de criação e, sob a direção de Georgette Fadel, estreou em agosto em Belo Horizonte, seguiu para o Rio de Janeiro e, nesta quinta, 31, chega ao Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo. “Eu vivo o presente e não penso se houve perdas ou ganhos de não ter concretizado o projeto naquela época”, afirma Maria. “Teatro, para mim, vale pelos encontros e, em 2021, a equipe não teria Georgette na direção e Erom Cordeiro no elenco, pessoas que me acrescentaram tanto no processo.”     

A protagonista quixotesca criada por Brício para movimentar este diálogo intertextual é Alma Duran, que conheceu um passado de glórias, mas, há três anos, não emplaca trabalho algum. Falida, a artista se desfaz da própria casa e se vê obrigada a morar no apartamento da filha médica (a atriz Olívia Torres) e do genro, um delegado de polícia (papel de Cordeiro). Além de dar aulas a uma jovem atriz (vivida por Iohanna Carvalho), Alma vê o tempo passar no playground do prédio até encontrar um homem que se identifica como Tchekhov (representado por Leonardo Medeiros) e, entre a realidade e a imaginação, a protagonista se agarra a ele como salvação. “Alma leva um choque de realidade ao se mudar para a casa da filha e a peça é uma crônica sobre como a arte e o cotidiano se relacionam com o tempo e a finitude, algo que permeia a obra do Tchekhov”, explica Brício. 

Maria Padilha defende Alma Duran e garante que, mesmo acreditando em seu encontro com Tchekhov, a personagem não é uma lunática ou vive em um mundo paralelo. É só mais uma artista que, ao entender que seu sonho começa a se desmanchar, se agarra a uma outra realidade. “É uma atriz que não teve sabedoria para tocar a carreira, se indispôs por questões mínimas com pessoas que a deixaram de escalar e encarou a profissão como um território de sonhos”, define. “Eu sempre fui livre, mas, em alguns momentos, fiz escolhas porque eram interessantes financeiramente e não assino embaixo de todos os meus trabalhos, mesmo no teatro.”

Outra cena da peça Um Jardim para Tchekhov. Foto Guto Muniz

Umas das falhas trágicas de atual personagem é que, segundo Maria, Alma é aquele tipo de profissional que não soube se adaptar às transformações do teatro. “Muita coisa mudou desde os anos 2000, aquele modelo de grandes produções se tornou inviável e começou uma demonização dos artistas que continua firme na cabeça de muita gente”, declara. “É raro encontrar uma Fernanda Montenegro, que interpreta a personagem com a disponibilidade de uma criança, mas tem a visão prática e racional da profissão para dosar qualidade e as exigências do mercado.”

Como devota do teatro, Maria elogia a parceria com Georgette Fadel, que assumiu a encenação no meio do processo por questões de agenda do diretor anteriormente escalado. “Georgette e eu temos pensamentos bastante diferentes sobre teatro, mas ela me provocou em lugares interessantes que eu comprei porque não sou o tipo de atriz que acha que sabe tudo”, reconhece. Tanto Maria como Brício concordam que a diretora enxergou um outro tipo de humor na peça, segurando a graça e emprestando mais densidade, além de valorizar o personagem de Tchekhov e inserir novas camadas ao delírio da protagonista. “Eu gosto de trocar com quem me dirige e com quem contraceno, se não fosse assim ficaria fazendo monólogos e dirigiria a mim mesma como tanta gente”, comenta a atriz. 

Em 45 anos de carreira, Maria Padilha construiu um repertório teatral que vai de William Shakespeare a Nelson Rodrigues, Frank Wedekind a Antonio Bivar e ganhou projeção em novelas como O Dono do Mundo (1991), Anjo Mau (1997) e O Cravo e a Rosa (2001). A primeira aparição na televisão foi em Água Viva (1980) e as mais recentes nas séries O Som e a Sílaba, da Disney+, e Justiça 2, exibida pelo Globoplay. Nesta trama, ela viveu a mulher de um político corrupto (o ator Marco Ricca) que abandona a submissão para frear as atrocidades do marido. “Foi um trabalho difícil e busquei apoio nas tragédias gregas”, conta, sobre a personagem Silvana. “Eu falava para o Marco: ‘você é Agamenon, eu sou Clitemnestra e não dá para chorar, vamos para o lugar do susto’.”

Serviço

Um Jardim para Tchekhov

Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, Centro Histórico.

Quinta e sexta, 19h. Sábado e domingo, 17h. R$ 30

Até 8 de dezembro (estreia 31 de outubro)

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Ficha Técnica

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Serviço

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