À frente da Cia. Esplendor, ator e diretor mostra a inquietude artística em ocupação no Teatro D – Jaraguá
Por Dirceu Alves Jr.
Em 2009, o ator e diretor carioca Bruce Gomlevsky, hoje com 50 anos, fundou a Cia. de Teatro Esplendor para intensificar uma pesquisa sobre o realismo. A montagem de estreia, Festa de Família, vista em São Paulo no Sesc Avenida Paulista, chegava a colocar alguns espectadores sentados junto aos atores em uma mesa de jantar no palco.
As peças A Volta ao Lar, O Funeral e O Homem Travesseiro deram sequência a essa investigação, e, com o tempo, Gomlevsky percebeu a dificuldade de manter uma equipe fixa de trabalho. A Esplendor, porém, completou 15 anos e, mesmo com elenco mutante, segue apoiada em um núcleo permanente, representado pelos atores Gustavo Damasceno e Ricardo Lopes, a iluminadora Elisa Tandeta e o produtor Gabriel Garcia, além do diretor, claro.

Dois dos mais recentes espetáculos, Um Tartufo e Outra Revolução dos Bichos, chegam a São Paulo em uma ocupação no recém-reinaugurado Teatro D – Jaraguá, no Hotel Nacional Inn Jaraguá, na região central. “A companhia surgiu com um viés muito realista, focada em dramaturgias e interpretações quase cinematográficas, e comecei a pensar em novos caminhos”, diz o artista. “Um Tartufo é uma quebra de paradigma porque rompe esse conceito e foca na ação e no corpo do intérprete.”
Livremente adaptada da clássica comédia do francês Jean-Baptiste Poquelin, o Molière (1622-1673), Um Tartufo, que estreia nesta sexta, 7, faz uma sátira sobre a fé, a manipulação e a ganância de forma subversiva. A encenação não apresenta uma única palavra e, inspirada no expressionismo alemão da década de 1920, é totalmente calcada pela mímica corporal e nas ações físicas dos personagens. “Começamos a improvisar em cima do texto de Molière como um pretexto”, conta o diretor. “Em um momento, resolvemos contar a história só através das ações físicas e ficamos nove meses na sala de ensaios, sendo que um mês inteiro construindo a primeira cena.”

Rico e devoto, Orgonte (interpretado por Damasceno) acolhe Tartufo (representado por Yasmin Gomlevsky), um falso religioso, que se torna seu líder espiritual. Cego até mesmo para os alertas da família, Orgonte concede cada vez mais privilégios ao impostor e chega a lhe prometer em casamento a filha, Mariana (papel de Glauce Guima).
Gomlevsky ressalta que o final original é resultado de uma censura do Rei Luís XIV e desagradava profundamente ao próprio autor, que foi obrigado a reescrevê-lo para satisfazer a corte e o clero. A hipocrisia e o disfarce dos religiosos foram motivos de ofensa para os devotos na época. “Como aquele final feliz me incomodava, resolvemos criar uma hipótese cênica sobre como o Molière poderia ter feito”, explica. “Um Tartufo é uma resposta ao Molière e, na nossa visão, a comédia virou tragédia.”
Como ator convidado, Gomlevsky garante que faz televisão, cinema e teatro com igual comprometimento, mas, quando assume o papel de diretor, faz questão de preservar alguns princípios e garantir uma assinatura. “Não quero simplesmente montar um texto, preciso ser movido pelo risco e descobrir linguagens”, diz. Esta inquietação chega ao ponto de transformar trabalhos e recomeçá-los do zero, como foi o caso de Outra Revolução dos Bichos, monólogo protagonizado por Gustavo Damasceno, que será visto no Teatro D – Jaraguá nas quartas e quintas, a partir da próxima semana.
Outra Revolução dos Bichos, adaptação de Daniela Pereira de Carvalho para o livro de George Orwell (1903-1950) estreou no Rio em 2022 depois de dois anos de ensaios, iniciados de forma virtual na pandemia. O elenco trazia 20 atores e atrizes, com forte caracterização e rostos maquiados, diante de um cenário de grandes proporções. “Eu não gostei do resultado e vi que precisava limpar tudo”, confessa Gomlevsky. “A Daniela topou transformar o texto em um solo e colocamos toda a história sob o ponto de vista de Napoleão, o porco totalitário que dá o golpe.”

Na nova versão, que estreou no ano passado, Gustavo Damasceno assumiu o protagonista e, além de Napoleão, se desdobra nos demais personagens da fábula de Orwell. Em busca da essência, o ator se limita a vestir uma roupa preta e convida o público a uma reflexão sobre as estruturas de poder. “A pesquisa cênica se concentrou na descoberta de uma expressão corporal e vocal para a composição dos personagens-bicho”, diz o diretor.
Como Gomlevsky não para, depois das temporadas de Um Tartufo e Outra Revolução dos Bichos, ele continua sediado no mesmo Teatro D – Jaraguá para apresentar o seu último desafio de ator. Raul Seixas – O Musical estreia em 10 de abril e, embora não seja um projeto da Cia. de Teatro Esplendor, apresenta afinidades temáticas com as duas peças em cartaz.
Sob a dramaturgia e direção de Leonardo da Selva, o artista interpreta o roqueiro baiano em uma noite insone atravessado por diversos questionamentos sobre a vida, a arte e a situação do país. No roteiro de sucessos, Gomlevsky dá voz a Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, Maluco Beleza, Tente Outra Vez e Gita, entre outros.
“É legal ver Um Tartufo e Outra Revolução dos Bichos complementados por Raul Seixas – O Musical porque são espetáculos que falam de democracias maculadas e nos alertam para os perigos do fascismo”, completa o ator e diretor, que ainda promete estrear Hamlet, de William Shakespeare, como ator e diretor, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, em julho.
Serviço
Um Tartufo. Sexta e sábado, 20h; domingo, 19h. R$ 100. Até o dia 30. A partir de sexta (7).
Outra Revolução dos Bichos. Quarta e quinta, 20h. R$ 100. Até o dia 27. A partir de quarta (12).
Raul Seixas – O Musical. Sexta e sábado, 20h; domingo, 19h. R$ 150. Até 28 de junho. Estreia prometida para 10 de abril.
Teatro D-Jaraguá. Rua Martins Fontes, 71, Hotel Nacional Inn Jaraguá, centro.