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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Teatro 2024 – As dez melhores peças em SP e um acontecimento extraordinário

Sinopse

Dramas contemporâneos e clássicos revisitados marcaram temporada dominada por grandes intérpretes de diferentes gerações e estilos

Por Dirceu Alves Jr.

Prima Facie
Aos 45 anos, Débora Falabella vive o auge de sua técnica e sensibilidade como intérprete no monólogo da australiana Suzie Miller. Sob a direção de Yara de Novaes, a peça mostra uma pragmática advogada capaz de tudo para defender os seus clientes que se vê no reverso da moeda depois de ser estuprada por um colega e correr atrás de justiça. Uma atriz em pleno domínio da personagem, uma história capaz de prender até o último minuto e uma discussão de relevância social e política fazem de Prima Facie o melhor espetáculo do ano em São Paulo   

Débora Falabella em Prima Facie. Foto Annelize Tozzeto

Todas as Coisas Maravilhosas
Em 2019, o ator Kiko Mascarenhas estreou no Rio de Janeiro o texto dos ingleses Duncan MacMillan e Joe Donahue, mas só chegou a São Paulo em março de 2014. A temporada prevista para durar três meses se estendeu por seis e os motivos são totalmente justificáveis. Em um surpreendente jogo, Mascarenhas interpreta um menino que assume a tarefa de amenizar a depressão da mãe e convencê-la de que viver vale a pena. Os personagens secundários são representados por espectadores recrutados pelo ator na plateia e fica impossível se negar a participar da encenação. A direção de Fernando Philbert e os recursos de Mascarenhas transformam um solo sobre depressão e suicídio em uma declaração de amor à vida.

Kiko Mascarenhas em Todas as Coisas Maravilhosas. Foto Luciana Mesquita

O Que Só Sabemos Juntos
O encontro cheio de expectativas da atriz Denise Fraga e do ator Tony Ramos, há 20 anos longe do teatro, levou ao palco memórias, sensações e reflexões sobre pautas urgentes em uma consistente estrutura de dramaturgia e personagens. Sob um esqueleto narrativo focado em um casal que atravessa uma crise, o texto criado por Denise, pelo diretor Luiz Villaça e pelo dramaturgo Vinicius Calderoni traz dois ótimos atores representando personagens mesmo quando não parecem estar e os assuntos diversos não são trazidos como uma mera palestra e sim como parte de uma história que quer ser contada. Uma banda feminina, sob a direção musical de Fernanda Maia, serve de apoio aos protagonistas. 

Tony Ramos e Denise Fraga em cena de O Que Só Sabemos Juntos. Foto Cacá Bernardes

Ray, Você Não me Conhece
Rodrigo Portella pode ser considerado o principal diretor da atualidade depois de uma sequência de espetáculos de diferentes estilos e linguagens. O musical biográfico sobre o cantor e compositor Ray Charles (1930-2004) é uma nova prova de seu talento como dramaturgo e encenador ao criar uma montagem que parte do intimismo, a relação conturbada entre pai e filho, para tratar de temas gerais e políticos, como racismo, machismo, lugar de fala e inclusão. César Mello, Sidney Santiago Kuanza, Abrahão Costa e Luiz Otávio se revezam nos papéis do cantor e do filho, Ray Charles Junior, e Flávio Bauraqui interpreta o fantasma de Ray Charles, o pilar narrativo da história.   

César Mello como Ray Charles em Ray – Você Não Me Conhece. Foto Ale Catan

Hedda Gabler
Clara Carvalho dirigiu o clássico de dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) sem amenizar o perfil contraditório e perturbado da protagonista, uma escolha louvável em tempos feitos para polêmicas frágeis. Em uma ótima interpretação de Karen Coelho, a personagem-título, criada em 1890, alcança surpreendente contemporaneidade graças a estas sutilezas sublinhadas pela direção. A montagem resultou em um exemplo de teatro de grande qualidade, pronta para agradar espectadores de diferentes níveis de exigência e compreensão e com um elenco afinado e numeroso que conta ainda com Sergio Mastropasqua, Carlos de Niggro, Guilherme Gorski e Mariana Leme, entre outros.  

Carlos de Niggro, Karen Coelho e Guilherme Gosrki em Hedda Gabler. Foto Ronaldo Gutierrez

Ao Vivo [Dentro da Cabeça de Alguém]
A atriz Renata Sorrah é o centro da peça da Companhia Brasileira de Teatro, que recriou fragmentos de A Gaivota, clássico do russo Anton Tchekhov (1860-1904), e faz referências ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e à morte da cantora Amy Winehouse (1983-2011). Na dramaturgia construída pelo diretor Marcio Abreu, enquanto A Gaivota é revisada pelo elenco que ensaia a peça diante do público, os temas elementares da história ganham o palco como se estivessem descolados da obra tchekhoviana. Os atores Rodrigo Bolzan e Rafael Bacelar e as atrizes Bárbara Arakaki e Bianca Manicongo completam o time de intérpretes em um vigoroso jogo cênico que coloca os personagens de Tchekhov em confronto com questões da atualidade.

Renata Sorrah em Ao Vivo [dentro da cabeça de álguém]. Foto Nana Moraes

A Última Entrevista de Marília Gabriela
A dramaturga Michelle Ferreira e o diretor Bruno Guida já demonstraram ser uma dupla poderosa em Bárbara, solo protagonizado por Marisa Orth. Mesmo assim, o encontro da atriz e apresentadora Marília Gabriela e do seu filho caçula, o ator e figurinista Theodoro Cochrane, pode ser considerada a grande surpresa da temporada paulistana. Em um incômodo jogo autoficcional, mãe e filho acertam as contas em um programa de televisão reproduzido no palco e, em um embate demolidor, o estúdio vira um ringue de boxe. No papel de entrevistador, Cochrane encurrala Marília em um jogo que sempre respinga no quanto ela falhou como mãe e não falta quem se identifique ou se perturbe na plateia.

Theodoro Cochrane e Marília Gabriela em A Última Entrevista de Marília Gabriela. Foto Bob Wolfenson

Tarsila, A Brasileira
Por preconceito, quem sabe, o poderoso musical escrito por Anna Toledo, dirigido por José Possi Neto e protagonizado por Claudia Raia não ganhou o reconhecimento merecido. Claudia escolheu uma biografia livre da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) para expressar a indignação com o descaso vivido pelos artistas brasileiros nos últimos anos e apresentou uma inédita e surpreendente reflexão política em sua carreira. A montagem celebra os criadores modernistas, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita Malfatti, Pagu e Menotti Del Picchia, mas amplia o leque no inesquecível número de encerramento, um samba-enredo que lista grande parte dos maiores nomes da cultura nacional e representa um manifesto da resistência. 

Jarbas Homem de Mello e Claudia Raia em Tarsila, a Brasileira. Foto Caio Gallucci

O Vazio na Mala
Em um grande desempenho, a atriz Noemi Marinho interpreta uma senhora judia que convive com o mal de Alzheimer e começa a reconstituir passagens de uma vida marcada pelas guerras. Sob a direção de Kiko Marques, a peça de Nanna de Castro mostra o drama de uma família incapaz de superar as sequelas da violência imposta por uma ideologia genocida e as consequências deste trauma atravessando gerações. Personagens extremamente psicologizados oferecem boas oportunidades ao elenco, que é formado ainda por Emílio de Mello, Dinah Feldman e Fábio Herford, em uma estrutura dramatúrgica que valoriza as dimensões de um conflito humano e mostra que faz falta no teatro de hoje uma boa e bem contada história.

Cena de O Vazio da Mala. Foto João Caldas Fº

Tio Vânia
Em grande forma, o diretor Eduardo Tolentino de Araujo e o Grupo Tapa ousaram montar um clássico de Anton Tchekhov (1860-1904) sendo fiel ao original e confiantes na essência contemporânea do dramaturgo russo. Praticamente nada foi alterado ou atualizado e o que se vê é uma história que aborda a devastação das áreas verdes, a opressão feminina e a disputa de uma família em torno da terra. Brian Penido Ross viveu o personagem-título, um homem que renunciou à própria vida em nome da família e se tornou melancólico e frustrado. Anna Cecilia Junqueira, Zécarlos Machado, Camila Czerkes e a presença luxuosa de Walderez de Barros foram destaques do elenco.    

Elenco do Grupo Tapa para a peça Tio Vânia. Foto Ronaldo Gutierrez

Um acontecimento extraordinárioFernanda Montenegro Lê Simone de Beauvoir
A atriz Fernanda Montenegro chegou aos 95 anos e causou comoção com a leitura dramática de trechos de A Cerimônia do Adeus, livro publicado pela autora francesa em 1981, cinco anos antes de sua morte. Sentada diante de uma escrivaninha, a intérprete – de cabelos brancos, camisa e calça casuais – estabelece o jogo cênico e entrelaça as angústias e reflexões de Simone como se fossem delas mesma. Depois de concorridas 20 sessões no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14 Bis, em que os 10.000 ingressos foram vendidos em poucas horas, Fernanda enfrentou e superou um desafio com as dimensões de seu talento e popularidade. Em 18 de agosto, Fernanda Montenegro leu Simone de Beauvoir para mais de 15 mil pessoas em uma apresentação histórica no Parque do Ibirapuera.

Fernanda Montenegro na leitura Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir. Foto Ubiratan Brasil
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Ficha Técnica

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Serviço

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