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Peças brasileiras brilham no Festival de Edimburgo; veja agenda das produções no Brasil

Oito espetáculos nacionais marcam presença no maior evento de artes cênicas do mundo; leia entrevistas

Por Fabiana Seragusa (publicada em 21 de agosto de 2025)

A programação do Festival Fringe de Edimburgo está recheada de peças brasileiras, que vêm conquistando o público e ganhando cada vez mais espaço (e elogios!) na mídia internacional.

Realizado até 25 de agosto na capital da Escócia, no Reino Unido, o evento soma quase 80 anos de história e é considerado o maior festival de artes cênicas do mundo, com presença de teatro, dança, circo, ópera, música, exposições, cabaré e outras manifestações culturais.

Público pelas ruas no Festival de Edimburgo (David Monteith-Hodge/Reprodução Instagram edfringe)

“Tom na Fazenda” (“Tom at the Farm”) é um dos destaques deste ano por lá. Com uma trajetória internacional já consolidada, incluindo passagens elogiadas pelo Festival de Avignon e uma temporada lotada em Paris, o espetáculo fica em cartaz no teatro Pleasance at EICC até 24 de agosto. Serão 23 sessões no total, com capacidade para 1.300 pessoas por dia.

Armando Babaioff, Denise Del Vecchio, Camila Nhary e Iano Salomão fazem parte do elenco, sob a direção de Rodrigo Portella. O texto do dramaturgo canadense Michel Marc Bouchard fala sobre um publicitário que vai a uma fazenda no interior para o funeral de seu companheiro, mas, ao chegar, descobre que a mãe do rapaz não sabia de sua existência – e nem que o filho era gay.

Sala lotada para ver “Tom na Fazenda” no Festival de Edimburgo (Reprodução Instagram tomnafazenda)

“Tão cruel quanto hipnotizante”, disse o crítico teatral Mark Fisher sobre o espetáculo, para o jornal britânico The Guardian, durante cobertura do Festival de Edimburgo. Além disso, a obra ganhou cinco estrelas da revista britânica Voice Mag, que destacou o fato de a apresentação ter sido ovacionada de pé, por mais de um minuto.

Depois do festival, “Tom na Fazenda” tem agenda cheia pelo Brasil: passa por Curitiba (PR), no Teatro Guairinha (11 a 14/9); São Paulo (SP), no Festival da Serrinha (20 e 21/9), Dourados (MS), no Teatro Municipal (24/9); e Brasília (DF), no Teatro UNIP (26 a 28/9).

Cartaz especial da peça para o festival (Divulgação)

“The Other Mozart”

Outra peça que embarcou para Edimburgo foi “The Other Mozart”, estrelado pela atriz brasileira Daniela Galli e pela artista polonesa Sylvia Milo, criadora do espetáculo – as duas se alternam nas apresentações. A premiada obra já realizou três temporadas em Nova York e, atualmente, está em turnê pelos Estados Unidos.

Daniela conta que o convite para se apresentarem no festival surgiu em fevereiro, quando um representante do Assembly, um dos principais complexos teatrais do evento, entrou em contato com a produtora para convidá-los para integrar a programação. “Nos movimentamos, buscamos investimento e nos organizamos em parceria com uma produtora local. Depois de muito suor, cá estamos”, conta ao Canal Teatro MF

Daniela Galli em cena de “The Other Mozart” (Crédito: Pedro Jardim de Mattos)

A artista ressalta que participar do Festival Fringe de Edimburgo é “colocar o trabalho no maior palco de artes cênicas do mundo”, em uma experiência intensa e extremamente gratificante. “Como artista, estar aqui é uma oportunidade de ampliar horizontes, trocar com profissionais do mundo todo, mostrar o meu trabalho e conhecer o deles – ouvir vozes e histórias que talvez não chegassem até mim de outra forma.”

Segundo ela, “além da importância de sentir o diálogo com plateias diversas e enriquecer a percepção do seu alcance, existe a chance de atrair colaborações, coproduções e uma possível circulação internacional”. E destaca que a participação no festival “também é uma vitrine para críticos de outros países, ampliando a legitimidade da obra.”

Público de “The Other Mozart” durante o Festival Fringe de Edimburgo (Crédito: Divulgação)

As críticas, aliás, vieram cheias de elogios. O The Fringe Review, por exemplo, classificou a peça como imperdível. “Galli é sensível, dramática, divertida e cativante. Uma intérprete brilhante, com música belíssima, encenação e figurinos primorosos, e uma narrativa envolvente de uma história quase esquecida”, dizia parte do texto. 

O espetáculo fala sobre Nannerl Mozart, irmã de Amadeus Mozart, que foi uma prodígio, virtuose do teclado e compositora que se apresentou por toda a Europa ao lado do irmão, recebendo igual aclamação, mas que teve sua voz e obra apagadas.

“A peça ilumina uma entre tantas genialidades femininas que foram silenciadas e esquecidas”, afirma Daniela. “A trajetória de Nannerl muda a nossa perspectiva, trazendo essa ‘outra’ Mozart para dentro da história dos grandes. Mais do que o retrato de uma artista, é um convite a repensar o passado e a questionar a história como a conhecemos.”

O espetáculo fica em cartaz até 25 de agosto no Assembly George Square Studios, em Edimburgo, e chegará ao Brasil em 2026, com produção da Morente Forte, com o nome de “A Mozart”.

Peça chega ao Brasil em 2026, com o nome de “A Mozart” (Crédito: Pedro Jardim de Mattos)

Seis grupos paulistas participam de iniciativa inédita 

A edição deste ano do festival recebe pela primeira vez o São Paulo Showcase, que promove temporadas de seis companhias paulistas por lá: Cênica, Cia de Dança de São José dos Campos, Fundo Falso, La Troupe, Parlapatões e Teatro Cego.

A iniciativa inédita, realizada pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, é uma das ações inaugurais do Ano Cultural Brasil/Reino Unido, que acontece de agosto de 2025 a junho de 2026, com mais de 100 atividades.

Grupos brasileiros participantes do Fringe durante encontro com o cônsul-geral do Brasil em Edimburgo, João Pedro Corrêa Costa (Reprodução Instagram teatrocego)

La Troupe

A La Troupe, de São Paulo, marca presença no festival com “O que Tem na Cozinha” (“What’s in the Kitchen”), peça interpretada por Eduardo Estrela e dirigida por Dani Angelotti, que assina a dramaturgia ao lado de Dirceu Alves Jr. 

“Como no Brasil o espetáculo acontece dentro de um restaurante, tivemos que adaptar alguns elementos para a nova realidade de apresentá-lo em um teatro/circo”, explica Dani. “No cardápio, por exemplo, o chef (Alejandro Huerta, que integra a equipe) chegou alguns dias antes para testar os ingredientes locais e fazer ajustes, mantendo a proposta de utilizar produtos da região, mas com um toque brasileiro.”

A diretora diz que todo o texto segue em português, com legendas, mas que, quando necessário, o ator sai do personagem para explicar e contextualizar o que irá acontecer, em inglês. “Esse recurso acabou criando um jogo muito interessante e próximo com a plateia.” 

Sessão da peça durante o festival (Reprodução Instagram oquetemnacozinha.br)

Dani conta que esteve no festival no ano passado para entender de perto como tudo funcionava. “Diferente de outros festivais de artes cênicas dos quais já participei em diversos países, o de Edimburgo é, antes de tudo, uma feira de negócios. O objetivo principal, além das trocas e do intercâmbio cultural, é vender os espetáculos para programadores de todos os cantos do mundo.”

“O que tem na Cozinha” permanece em cartaz até 23 de agosto no Assembly Rooms – Bijou, em Edimburgo, e não tem data confirmada para reestreia no Brasil – mas no Instagram oficial do espetáculo é possível se cadastrar em uma lista de espera para ser avisado das próximas datas.

Uma das críticas recebidas durante o evento dizia que “a conexão entre comida e alma, memórias, cultura e comunidade foi lindamente explorada com uma narrativa imersiva, atuação envolvente e uma culinária incrível”, em um texto assinado por Alice Pollard, da Brig News.

“Para nós, está sendo uma experiência incrível. Nunca havíamos apresentado a peça fora do Brasil, e ela é repleta de peculiaridades, entre elas a de proporcionar uma experiência sensorial e imersiva”, diz Dani. “É um espetáculo site-specific que, aqui, precisou se adaptar para dentro de um teatro, e foi maravilhoso perceber o quanto ele é versátil e como seu tema é universal. Tanto aqui quanto no Brasil, o público se emociona e se encanta.”

E completa, de olho no futuro: “Essa vivência tem sido fundamental para pensarmos em novas possibilidades e formatos para a peça (sempre dentro do conceito de site-specific) e para o crescimento da nossa companhia, a La Troupe, que, apesar de jovem, já dá passos largos em sua trajetória.”

Cartaz do espetáculo para o festival (Reprodução Instagram oquetemnacozinha.br)

Teatro Cego

Outra participação de destaque do evento é o Teatro Cego, com a peça “Um Outro Olhar” (“Another Sight”), que será encenada até 24 de agosto no ZOO Playground.

Realizada completamente no escuro, a obra teve que ser traduzida e decorada em inglês, já que não seria possível trabalhar com legendas. “Nesse processo, muitas expressões foram modificadas para fazerem sentido em outra língua, explica Paulo Palado, que assina texto e direção e também participa do elenco ao lado de Ana Righi, Edgar Jacques, Flávia Stongolli, Ian Nopeney, Luma Sanches e Sara Bentes.

O espetáculo narra a experiência de uma empregada doméstica e de sua patroa, ambas passando por tratamentos de câncer, em diferentes estágios.

Ainda sobre os ajustes, Paulo destaca os desafios em relação ao cenário e aos objetos de cena, pois nem tudo foi possível levar. “Para isso, tivemos que ser criativos e fazer muitas adaptações, como, por exemplo, movimentar partes do cenário durante a peça, no escuro, para serem usadas em cenas diferentes.”

Equipe do Teatro Cego com o cônsul-geral do Brasil na Escócia (Reprodução Instagram teatrocego)

Em relação à divulgação da temporada por lá, Paulo conta que o objetivo é conseguir se destacar em meio a mais de mil apresentações diferentes por dia. “Encontrar o nosso público nesse mar de concorrência é um desafio que requer muita criatividade e suor.”

Para o artista, estar no Fringe “é estar no centro das atenções de um universo muito específico, onde pessoas e instituições do mundo todo vêm se encontrar e trocar figurinhas”. E ressalta o interesse do prestigiado jornal britânico The Guardian pelo espetáculo. “Fotos foram feitas, e uma entrevista foi realizada. Voltaremos para o Brasil com uma matéria incrível em um dos maiores jornais da Europa e talvez do mundo”, diz Paulo. A matéria foi publicada em página inteira. 

“Isso é resultado de um trabalho corajoso e determinado de toda a nossa equipe. A partir do momento em que saímos da nossa zona de conforto e encaramos um universo tão amplo e diferente, as possibilidades que se apresentam são engrandecedoras, e o aprendizado é enorme.”

“Um Outro Olhar” realizou temporada no Brasil em 2023, e ainda não há novas sessões marcadas, mas o público poderá ver outras peças do grupo, como “A Festa da Inclusão” e “Acorda, Amor!”,  ainda neste ano. 

Parlapatões 

Clássico dos Parlapatões, a peça “Os Mequetrefe” estreou há 10 anos, já passou por 50 cidades brasileiras e brilhou no Festival Fringe de Edimburgo, onde se apresentou de 30 de julho a 10 de agosto, no Underbelly Bristo Square.

“Para o Fringe de Edimburgo, fizemos a nova versão ‘The Mequetrefo’, visando a internacionalização do trabalho dos Parlapatões”, diz Hugo Possolo, que faz parte do elenco e é roteirista do espetáculo. “Reduzindo texto, trazendo soluções visuais e de comédia física, e traduzindo alguns trechos, buscamos a comunicação direta com o público. Além disso, incluímos algumas cenas marcantes de nossa trajetória que dialogavam fortemente com o roteiro, como nosso número das Águas Dançantes, e que se tornou o momento da hora do banho dos palhaços, na aventura de seu dia de total nonsense.”

A peça, que também traz Alexandre Bamba, Henrique Stroeter e Tadeu Pinheiro no elenco, faz o público rir ao mostrar quatro palhaços vivendo situações absurdas.

Hugo Possolo em Edimburgo (Reprodução Instagram parlapatoes)

Para o artista, esta participação representou uma oportunidade singular de intercâmbio cultural, de valorização da arte cênica brasileira e de projeção internacional do grupo, que possui 34 anos de trajetória e mais de 70 espetáculos realizados – e que busca caminhos para levar suas obras a outros países. 

“Nosso foco é mostrar o teatro popular contemporâneo, unindo irreverência e crítica social para dialogar com diferentes públicos e contextos culturais”, afirma Hugo. “Tivemos a percepção do interesse e valorização do teatro que se faz em São Paulo, pois há uma expectativa sobre a criatividade e novas linguagens brasileiras que têm repercutido internacionalmente. A cultura brasileira tem se capacitado a ocupar cada vez mais espaços no cenário mundial.”

O artista também ressalta a grande presença do público durante as sessões e o amplo reconhecimento da crítica, citando o destaque para a peça no jornal The Scotman, da Escócia, o texto elogioso no The British Theater Guide, site britânico especializado em teatro, com 4 estrelas de avaliação, e as 5 estrelas obtidas pelo site Stage Door Joe.

Cartaz de “The Mequetrefo” (Reprodução Instagram parlapatoes)

“Desde nossa fundação, os Parlapatões desenvolvem uma linguagem cênica própria, que mescla o circo, a comicidade física, o teatro de rua e a dramaturgia autoral, em sintonia com a tradição do palhaço e a inovação estética. Participar do Fringe de Edimburgo, o maior festival de artes cênicas do mundo, foi uma extensão natural do nosso compromisso com a experimentação artística e com o diálogo intercultural.”

Quem quiser ver “Os Mequetrefe” em São Paulo já pode anotar na agenda: dia 7 de setembro, no Espaço Parlapatões, dentro da programação do Palhaçada Geral, com entrada gratuita.

Cênica

De São José do Rio Preto, a companhia Cênica leva “Queijo com Goiabada ou Romeu e Julieta” (“Cheese and Guava or Romeo and Juliet”) a Edimburgo. Com parte do elenco falando em português e parte em inglês, o grupo teve quatro meses de preparação para encenar no idioma local. A temporada internacional acontece até 25 de agosto, no Sumerhall – Red Lecture Theatre.

Fundo Falso

Já a Fundo Falso, de São Paulo, participa do festival com “Honest Fraud”, um espetáculo cheio de números de mágica e telepatia. Apesar de a peça ter sido adaptada para o inglês, há trechos em português. Em cena, estão Ricardo Malerbi e Rudi Solon, que se apresentam até 25 de agosto, no Underbelly – Bristo Square.

Cia de Dança de São José dos Campos

Com coreografia de Lili de Grammont, “Voyeur / Samba & Love”, da Cia de Dança de São José dos Campos, fica em cartaz até 24 de agosto no Dance Base, dentro da programação do Fringe. Os textos gravados, que dão suporte dramatúrgico à obra, também foram traduzidos para a temporada.

Ao voltar ao Brasil, o grupo apresenta “Samba e Amor” em 30 de agosto, no auditório do Masp, como parte da Semana Paulista de Dança. A entrada é gratuita.

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Fabiana Seragusa

Formada em jornalismo pela Cásper Líbero, trabalhou por dez anos na editoria de cultura da Folha de S.Paulo. Recebeu o Prêmio Folha de Jornalismo em 2015, pela reportagem pioneira de avaliação dos teatros de São Paulo. Já colaborou para outros importantes veículos de imprensa, como Estadão e HuffPost Brasil, além de ter sido jurada do Prêmio do Humor e do Prêmio Bibi Ferreira. Atualmente, é editora do site Culturice.
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