Temas do momento são incorporados ao espetáculo “Parem de Falar Mal da Rotina”, em cartaz aos sábados no Teatro Liberdade
Por Fabiana Seragusa
Conseguir emocionar genuinamente o público requer um talento enorme. Agora, imagina fazer rir e chorar em um mesmo espetáculo. “Muita gente fala: ‘há quanto tempo eu não chorava’ ou ‘há quanto tempo eu não ria assim'”, conta Elisa Lucinda, que volta a São Paulo com o monólogo Parem de Falar Mal da Rotina, que já acumula 22 anos de estrada. “É um grande encontro com a gente mesmo. Trazemos a pessoa amada em três dias. Amada por si mesma.”
A atriz, cantora e escritora, que, aqui, é dirigida por Geovana Pires, consegue manter o frescor da peça ao incorporar temas do momento, que tenham a ver com o caráter crítico e bem-humorado da obra. “Acontecem as coisas, e eu vou botando na peça. Claro que agora tem um ladrão de joias”, revela Elisa. “A cada hora, fica mais rico o espetáculo, porque ele é contemporâneo. Então, os novos temas aparecem lá. A peça é um retrato, como a arte sabe muito bem ser, e como sabe traduzir o ser humano.”
Durante a apresentação, a ideia é compartilhar histórias corriqueiras e que muitas vezes não ganham a atenção necessária em nossa vida, convidando o espectador a uma espécie de auto-observação. “Eu acho que o público está mais, talvez, sedento de algo que o tire de um lugar de muita ansiedade, de muito derrotismo, como se não tivesse jeito a vida”, avalia a artista, em relação à mudança da plateia que assiste ao seu monólogo, nestas mais de duas décadas de temporadas. “É preciso que a gente beba de novo na fonte emocional, e o espetáculo é um prato cheio.”
Sobre os temas que mais mexem com sua vida, atualmente, Elisa cita a ética, a ideologia e os princípios políticos do existir, espalhados no cotidiano. “Eu acho que o espetáculo tem cada vez mais uma pegada nesse sentido, de trazer para a vida cotidiana escolhas que vão impactar no social, no coletivo. Eu acho que eu estou com essa mira nos últimos anos. Eu já tinha, mas os temas continuam vivos, o racismo, a criança, a mulher, mas há algo mais afiado, do ponto de vista dessa dialética da vida em relação a nós e aos outros.”
Em cartaz no Teatro Liberdade até 20 de julho, Elisa Lucinda afirma que “a gente está vivendo uma hora muito perigosa”, quando perguntada sobre a cena teatral de hoje em dia. “Sempre houve esses inimigos, né, as pessoas confundindo celebridade com ser artista. Então, a pessoa é celebridade porque é um coronel, porque foi para o ‘BBB’, porque é influencer, isso é uma loucura, isso aumentou de uma maneira que levou a gente a um problema sério”, diz.
“Você não consegue fazer um audiovisual bom com péssimos atores ou com atores todos inexperientes. Você não consegue, não adianta. Em qualquer produção, a expertise conta. Então, fica esse dilema. No entanto, a escolha também tem sido por quantidade de seguidores. Aí você pega uma pessoa que é influencer, mas ela não é capaz de exercitar… Ela tem, talvez, até uma limitação para ser essa artista que querem que ela seja. Isso é um problema grave.”
Ainda neste tema, Elisa fala sobre a experiência observada pelos palcos. “Para isso que existe o teatro, eu acho. Nada passa no teatro sem ser revelado. O teatro é revelador. Então, eu estou gostando que a cena teatral tem aumentado a quantidade de pretos nela, tem novas narrativas em cena. Os editais nos deixaram… estão sendo a nossa bonança, depois da tempestade”, afirma.
A atriz finaliza dizendo que aguarda melhores tempos a cada momento, no sentido de fomento e de política cultural do governo. “A gente está em um governo que nos vê, nos lê, nos compreende, nos considera. Nós fomos execrados. Nós somos sobreviventes. Então, muito obrigada, presidente Lula, realmente. Eu falo isso aqui nessa entrevista pensando que nós vivemos um inferno. E estamos aqui.”
Serviço
Parem de Falar Mal da Rotina
Teatro Liberdade. Rua São Joaquim 129
Sábados, 21h. R$ 60 / R$ 150
Até 20 de julho