A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Maria Manoella propõe reflexão sobre a obra de antropóloga francesa que teve o rosto desfigurado por um urso

Sinopse

Em seu primeiro solo, a atriz protagoniza “Escute as Feras”, dirigida por Mika Lins, que estreia no Sesc Ipiranga 

Por Dirceu Alves Jr.

Em 2015, a antropóloga francesa Nastassja Martin, então com 29 anos, pesquisava sobre a tribo dos even na região das montanhas de Kamtchátka, extremo leste da Sibéria. O trabalho de campo ultrapassou os limites da ambição teórica diante da aparição e do ataque de um urso. Ela encarou a fera diretamente nos olhos que, enfurecida, lhe arrancou o maxilar e as maçãs do rosto.

Em uma reação imediata, a jovem partiu com o quebra-gelo para cima do animal que, também machucado, fugiu. Nastassja sobreviveu a essa experiência avassaladora e seu relato, o livro Escute as Feras, publicado no Brasil no fim de 2021, causa as mais diversas reações em que o lê desde o seu lançamento.

A atriz Maria Manoella, a editora e livreira Fernanda Diamant e a diretora Mika Lins figuram no time que não ficou indiferente às palavras de Nastassja Martin. Pelo contrário, Manoella e Mika já queriam desenvolver uma parceria há alguns anos, e Fernanda, antes de o livro se tornar um sucesso, avisou que tinha encontrado uma história que renderia no palco.

Maria Manoella em cena de Escute as Feras. Foto Ariela Bueno

“Eu fui a última a ler e quis entender o que tanto tinha fisgado as duas e o que me pegou foi o encontro em si, entre essa mulher loira e um bicho que pode parecer fofo, mas é extremamente feroz”, explica Mika.

No começo do ano, Manoella, Fernanda e Mika também se aproximaram da natureza e começaram a trabalhar na adaptação da obra em um sítio em São José dos Campos, no interior paulista. Corta trechos aqui, esboça uma cena ali, valoriza um discurso adiante, e o espetáculo Escute as Feras, que estreia neste sábado, 11, no Teatro do Sesc Ipiranga, ganhou forma.

Para terminar de colocar a montagem de pé, o trio voltou para o mato, no mês passado, desta vez na Serra do Japi. “Nenhuma de nós três impôs uma voz ativa”, avisa Manoella. “Como diz a autora no livro, ‘o imperativo é a fluidez dos papeis’ e levantamos um trabalho coletivo mesmo em que todo mundo entrou no departamento do outro.”

Em seu primeiro monólogo, a atriz, sob direção de Mika e codireção de Fernanda, porém, não está sozinha – em mais uma nova demonstração dessa coletividade. Junto dela em cena aparece o guitarrista Lúcio Maia, que criou e executa uma trilha que remete a uma atmosfera sonora em torno de um estado geográfico que, claro, é a Sibéria, mas, segundo Mika, poderia ser a Amazônia ou o Pantanal Mato-Grossense.

Maria Manoella e Lúcio Maia estão em Escute as Feras. Foto Ariela Bueno

“Eu pensei nas jornadas de risco em que a gente se coloca no decorrer da vida e, assim, estamos falando de todas nós em qualquer lugar no mundo”, afirma a diretora. “A antropóloga foi cutucar a natureza em um lugar que não deveria se meter tanto.”

Manoella ressalta que Nastassja Martin foi bem avisada dos perigos da região e, destemida, não deu ouvidos aos habitantes locais. “É uma arrogância típica das mulheres brancas ocidentais que acreditam estarem imunes a qualquer perigo do mundo”, declara.

Para ela, citando novamente palavras do livro, o urso não quis matar a pesquisadora, mas deixá-la marcada e, assim, a protagonista entra em sintonia com o pensamento de Mika em relação às jornadas enfrentadas por uma pessoa. “A própria maternidade, uma das experiências mais maravilhosas possíveis, é uma destas marcas, porque você é uma antes e outra depois”, exemplifica.

Maria Manoella sabe bem a comparação que faz para ajudar na compreensão de Escute as Feras. Ela é mãe de Mathias, de quatro anos e meio, que, apesar da pouca idade, se fez presente em alguns ensaios e não deixou de emitir as próprias opiniões.

Gritos altos

“Mamãe, eu acho que você está falando muito alto, precisa se acalmar”, teria dito o garoto. A intérprete conta que o filho fica atento a tudo que ouve e vê e, dias desses, ao chegar em casa encontrou uns rabiscos desenhados na parede capazes de surpreendê-la: “São as montanhas de Kamtchátka, mamãe”, avisou Mathias.

Para Mika, o espetáculo mostra o encontro desta mulher com uma força descomunal a quem sobrevive, mas se vê obrigada a carregar as marcas para sempre. Por isso, a fisicalidade é uma das chaves da encenação.

“Manoella está sempre naquele limite meio mulher, meio urso, surge como um híbrido e, para mim, muitas vezes o corpo diz mais que qualquer palavra”, justifica a diretora. Uma das ousadias da montagem, que promete ser novidade aos leitores de Nastassja Martin, é que, no palco, o urso também ganhará voz.

“Nesta hora, temos o ponto de vista de uma figura da natureza que teve sua casa invadida”, comenta a protagonista. Mika completa com uma afirmação que pode gerar polêmica nos dias de hoje, diante da idealização dos animais pelos humanos, mas que reforça as múltiplas intenções do texto. “A gente tem um olhar amistoso para o bicho, mas ele, muitas vezes, nos enxerga como uma presa, ainda mais se sentir ameaçado.”  

Serviço

Escute as Feras

Teatro do Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822

Quinta a sábado, 20h; domingo e feriado, 18h30. R$ 50

Até 3 de dezembro. A partir de sábado (11).

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Ficha Técnica

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Serviço

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