Adaptação livre do livro de Itamar Vieira Júnior traz questões delicadas e difíceis como trabalho análogo à escravidão, racismo, resistência, sobrevivência, disputa de terra, além de universo da fé, magia, poesia e religiosidade
Por Ubiratan Brasil
Lançado em agosto de 2019, o romance Torto Arado, do escritor baiano Itamar Vieira Júnior, logo se transformou em um bestseller. A pandemia da covid, que obrigou as pessoas a não saírem de casa, deu o empurrão necessário para que, somente em 2020, a obra vendesse mais de 165 mil cópias. Para o autor, uma das explicações é que o livro apresenta um Brasil rural, que parece algo anacrônico nos dias de hoje, mas provoca uma memória afetiva, mesmo para quem não viveu no campo.
É essa magia que marca Torto Arado – O Musical, espetáculo em cartaz no Sesc 14 Bis. Trata-se de uma adaptação livre do romance, que traz uma história de vida e morte nas profundezas do sertão baiano, um poderoso elemento de insubordinação social, de combate e redenção. Além de assinar a direção geral, Elísio Lopes Júnior também é responsável pela versão do musical, ao lado de Aldri Anunciação e Fábio Espírito Santo. Uma das principais novidades é dar mais importância e visibilidade a um papel que, no livro, é presença mais espiritual: a da avó Donana, papel interpretado por Lilian Valeska. É ela quem vai nortear a história e ser decisiva na conclusão do espetáculo.

O enredo segue basicamente a trama do livro de Itamar. Em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina, as irmãs Bibiana (Larissa Luz) e Belonísia (Bárbara Sut) encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó. Ocorre então um acidente. E para sempre suas vidas estarão ligadas – a ponto de uma precisar ser a voz da outra. Além de flertar com o fantástico, o musical trata de questões delicadas e difíceis como trabalho análogo à escravidão, racismo, resistência, sobrevivência, disputa de terra, bem como o universo da fé, magia, poesia e religiosidade.
A direção musical com composições inéditas é assinada por Jarbas Bittencourt. “Torto Arado – O Musical é um espetáculo de música popular brasileira, no qual todos os ritmos e dinâmicas são nordestinas e ligadas ao cancioneiro do sertão nordestino interiorano, com interpretações e sonoridades totalmente brasileiras”, afirma ele. “Fazer música para um personagem é aquele momento em que você abre um espaço em você, assim como faz o ator, e se deixa ser outro; deixa que outra voz lhe cante a música que está criando”, completa Bittencourt.

Torto Arado – O Musical chegou a São Paulo chancelado por dois meses de sucesso em Salvador, onde todos os ingressos foram vendidos. “A sensação de ter estreado na Bahia, perto do lugar onde essa história foi concebida e perto das pessoas que entendem esse universo, nos deu uma sensação de pertencimento“, comenta Lopes Júnior.
Responsável pela direção de movimento do espetáculo, o diretor e coreógrafo Zebrinha ressalta a importância do movimento durante o musical, baseado no Jarê – religiosidade do povo que permeia toda a trama. “O que estou tentando fazer com a estética e o vocabulário do movimento no espetáculo é tornar contemporânea essa visão e apresentar o que há de mais bonito e mais plásticos dentro dos rituais do Jarê”, comenta.
Serviço
Torto Arado – O Musical
Sesc 14 Bis, Teatro Raul Cortez. R. Dr. Plínio Barreto, 285
Quintas, sextas e sábados, 20h. Domingos, 18h. Nos dias 29/11, 05 e 06/12 haverá sessões às 15h e 20h. R$ 60
Até 15 de dezembro (estreou em 20 de novembro)