Obra de Nelson Rodrigues, que ganha montagem dirigida por Monique Gardenberg, era uma das preferidas de José Celso Martinez Corrêa
Por Ubiratan Brasil (publicada em 29 de abril de 2025)
A estreia da peça Senhora dos Afogados em 1954 dividiu a plateia entre os que chamavam o autor, Nelson Rodrigues, de gênio e os que o acusavam de tarado. Estrelado por Nathalia Timberg e com direção de Bibi Ferreira, o espetáculo era visto pelo próprio autor como “fétido e pestilento” e chegou a ser censurado pelo governo do general Eurico Gaspar Dutra em 1947, só retomado sete anos depois.
O motivo era outra relação incestuosa criada por Rodrigues. Aqui ele recria o mito de Electra, ao mostrar a obsessiva paixão de Moema por seu pai, Misael Drummond. Por conta disso, ela assassina todos os membros de sua família, para que se torne a única a desfrutar da presença do pai. É esse universo que marca a encenação de Senhora dos Afogados em cartaz inicialmente no Sesc Pompeia e depois ocupará o Teatro Oficina.

“Essa era a peça do Nelson Rodrigues que o Zé Celso sempre quis fazer”, conta o ator e diretor Marcelo Drummond, intérprete de Misael, juiz envolvido com lembranças e acontecimentos passados. Ao seu redor, circulam figuras ligadas a desejo, culpa e morte. Lara Tremouroux interpreta Moema, e Leona Cavalli faz o papel de Eduarda, esposa de Misael.
A direção da montagem é de Monique Gardenberg, amiga fraterna de José Celso Martinez Corrêa, que sempre incentivou a carreira dela como diretora de teatro. No espetáculo, o Teatro Oficina apresenta uma leitura da obra com uso de recursos audiovisuais, ambientações com música e a presença de um coro das “putas do cais”, elemento que faz referência ao trabalho de Zé Celso.
Marcelo Drummond conta que Zé Celso chegou a cogitar de fazer um filme do espetáculo, ideia que, diz a lenda, também seduziu Glauber Rocha. O cineasta baiano, no entanto, teria desistido por considerar a obra “autoral demais”. E, na montagem de 1954, Bibi Ferreira assumiu a direção após a recusa de Henriette Morineau.
A peça é a menos carioca de Nelson Rodrigues, que habitualmente focava o subúrbio do Rio de Janeiro como cenário de seus textos. Aqui, o mar e o mangue despontam como uma grande paisagem na vida da família Drummond, que se orgulha de não cometer o pecado da infidelidade conjugal há gerações até o final, marcado por tragédias à beira-mar.

Monique introduziu no final o poema Perplexidade, de Antonio Cícero, declamado por Misael. Já a coreografia que abre a cena do Banquete é Season’s March Dance, de autoria de Pina Bausch, com a música Você Vai Ser o Meu Escândalo, de Erasmo e Roberto Carlos. Por fim, as roupas usadas pela família Drummond na cena de abertura foram estampadas com obra de Adriana Varejão, Celacanto Provoca Maremoto (2004-08), óleo e gesso sobre tela.
A atual montagem Senhora dos Afogados também dá continuidade à presença do Teatro Oficina no Sesc Pompeia. Nos últimos três anos, o grupo apresentou dois espetáculos no espaço: em 2022, Esperando Godot, de Samuel Beckett, dirigido por Zé Celso, trouxe dois personagens imersos na espera de um sentido – ou de Godot – em um mundo pós-apocalíptico, no qual o absurdo e a condição humana se entrelaçam.
Em 2023, foi a vez de O Bailado de Deus Morto, inspirado na obra de Flávio de Carvalho, apresentado com máscaras de alumínio criadas pelo artista, em diálogo direto com a exposição Flávio de Carvalho Experimental, também realizada no Sesc Pompeia.
Serviço
Senhora dos Afogados
Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93
Terça a sábado, 20h. Domingos e feriados, 18h. Dia 10/05, às 16h, sessão extra. R$ 70
Até 11 de maio (estreia em 24 de abril). No dia 30 de maio, a temporada segue no Teatro Oficina até o mês de julho