Ator vive ex-militar doente no hospital, cuja visita dos filhos tem como pano de fundo os últimos 50 anos de história brasileira
Por Ubiratan Brasil
O dramaturgo Gustavo Pinheiro começou a rascunhar o texto da peça A Tropa quando ainda Dilma Rousseff era presidente do Brasil. Ele foi vencedor do concurso Seleção Brasil em Cena, do CCBB, em 2015 e o espetáculo estreou no ano seguinte, em meio ao calor do impeachment presidencial, e continuou em cartaz, passando pelos governos Temer e Bolsonaro, além de enfrentar a paralisação durante a pandemia até finalmente chegar ao Teatro Vivo, onde cumpre nova temporada paulistana.
“O texto é tão forte que continua atual”, comenta Otávio Augusto, ator de 78 anos que lidera um elenco com outros quatro intérpretes. “A peça revela uma sensibilidade pelo que estava por acontecer, algo premonitório”, acrescenta Daniel Marano. “Não mexemos em uma vírgula do texto e ele se mantém interessante e perturbador ao mesmo tempo”, conta o autor.
De fato, mais que o aspecto político, A Tropa se destaca por tratar de um tema atemporal, o conflito geracional em uma família, o que permite uma leitura perspicaz, sensível, ácida e bem humorada da sociedade brasileira.
Augusto vive um ex-militar viúvo que está doente e recebe a visita dos quatro filhos no hospital. O que deveria ser uma confraternização se transforma em um doloroso jogo de acusações e cobranças de verdades, em que se discutem diferenças e tolerância.
Pinheiro foi hábil na construção psicológica dos filhos, que formam um mosaico da sociedade brasileira: o mais velho, Humberto (Alexandre Menezes), é um dentista militar aposentado que mora com o pai; João Baptista (Daniel Marano) é um usuário de drogas com passagens por clínicas de reabilitação; já Arthur (Alexandre Galindo) é um empresário casado, pai de duas filhas, que trabalha numa empreiteira sob investigação por corrupção; e finalmente Ernesto (André Rosa) é o jornalista que acaba de pedir demissão e passa por uma crise com a profissão.
Retrato de um Brasil doente
“Um detalhe sutil está no nome desses personagens”, observa Galindo. “E a resiliência dos filhos, que se deixam ouvir as barbaridades ditas pelo pai, é o próprio retrato da atual sociedade brasileira, dividida entre esquerda e direita”, completa Rosa. “E, como a história se passa em um hospital, podemos dizer que é a imagem do Brasil doente.”
Com o espetáculo, Otávio Augusto vem comemorando 60 anos de carreira, iniciada de forma amadora em 1962, quando, ainda funcionário da Vemag, empresa de seguros, estreou na peça O Fim, de Boris Fetcher. O profissionalismo veio poucos anos depois, quando ingressou no Teatro Oficina, em São Paulo, e participou de espetáculos icônicos como O Rei da Vela (1967), dirigido por José Celso Martinez Corrêa, e Ópera do Malandro (1978), de Chico Buarque.
Sem nunca alcançar o patamar dos galãs, Otávio Augusto desenvolveu ao longo dos anos um talento peculiar, capaz de cativar o espectador. “Ele é um ator muito poroso, que consegue a adesão imediata da plateia”, costumava dizer Zé Celso.
Destaque em Boleiros
Criador de tipos com um humor peculiar (o juiz de futebol enrascado com a máfia de resultados do filme Boleiros – Era Uma Vez o Futebol, de Ugo Giorgetti, é uma das suas principais performances), Augusto garante que nunca pensou em produzir ou mesmo dirigir espetáculos. “Gosto mesmo é de estar em cena”, comenta. “E, não importa o papel: para mim, sou sempre o protagonista.”
Serviço
A Tropa
Teatro Vivo. Av. Chucri Zaidan, 2460
Quintas, sextas e sábados, 20h. Domingos, 18h. R$ 100
Até 8 de outubro