Peça da Cia. Stavis-Damaceno, que chega ao CCBB de São Paulo, se inspira em Pirandello e em relatos reais para criar um poderoso e absorvente drama vivido por duas atrizes
Por Ubiratan Brasil (publicada em 22 de abril de 2025)
Eleita a melhor peça de 2023 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), A Aforista já revelava as principais características da Cia. Stavis-Damaceno, de Curitiba: o ritmo vertiginoso de pensamentos aparentemente desordenados, o apreço pela dramaturgia contemporânea que apresenta novos olhares acerca das relações humanas em nossos dias, e, principalmente, a excelência do trabalho do elenco.
Passados dois anos, a pesquisa se aprimorou e resultou no espetáculo Nebulosa de Baco, que encerrou o Festival de Teatro de Curitiba no início de abril e agora chega ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), de São Paulo.

Em cena, duas atrizes durante um processo de ensaio. Uma delas não consegue chorar e é ajudada por outra, mais experiente. O detalhe importante é que na peça em que ambas estão trabalhando traz a conflituosa relação entre uma filha e o seu pai. Assim, o público tanto acompanha o processo criativo das duas como também cenas de seu resultado, ou seja, a peça em si.
“As salas de ensaio são espaços fascinantes de criação. São duas atrizes, sendo que uma está se preparando para uma das peças mais difíceis de sua carreira porque traz questões delicadas como traumas por abusos de violência causados na infância”, comenta Marcos Damaceno, autor e diretor do espetáculo.
Segundo ele, a criação partiu de uma peça fundamental de Pirandello, Assim é (Se Lhe Parece), escrita em 1917 e definida por ele mesmo como uma “farsa filosófica“. Como ocorre na maior parte do seu teatro, o autor desenvolve a obra a partir de um relato. “Aqui, também partimos de histórias reais e do texto do Pirandello. O que me fascina é esse jogo entre realidade e ficção. Algo muito contemporâneo, pois hoje não sabemos o que é real e o que é inventado.”

O humor se alterna com o drama como um alívio no trato de um assunto tão pesado. “A virada de chave tem de acontecer porque o espetáculo caminha de um lugar confortável para o ator que é a sala de ensaio, onde conversamos e rimos, para as cenas da peça que estão ensaiando, que são complexas, angustiantes, dramáticas”, comenta Rosana Stavis que, como a atriz mais experiente, oferece outra intepretação digna de nota. “A intenção da dramaturgia é fazer o público experimentar essas emoções de riso e choro que, no palco, são provocadas por angústia e ironia.”
Intérprete da outra atriz, Helena de Jorge Portela tem o desafio de alternar com precisão o humor do encontro entre amigas com o delicado drama sofrido pela mulher que interpreta na peça ensaiada. “O curioso é que tenho facilidade para chorar, ao contrário da minha personagem, mas tenho de passar a peça inteira fazendo cenas explosivas com a Rosana controlando meu choro”, diz ela.
O título “Nebulosa de Baco” tem inspiração na astronomia e na mitologia. As nebulosas são a região no espaço onde nascem as estrelas e, entre as mais conhecidas, estão a Nebulosa de Orion e a Nebulosa Olho de Deus. Já Baco, na mitologia greco-romana, não é apenas o deus do vinho e do teatro como também representa a fertilidade criativa e a dualidade humana entre controle e entrega. É ele quem inspira a transformação do caos interno em beleza e expressão.

“É para isso que nascem as atrizes, para mostrar, a cada noite, aos olhos do público, o mundo visto sob outra luz. Não a luz acachapante do sol, mas feito a delicadeza, a suavidade da luz da lua”, observa Damaceno que, na encenação, especialmente nos momentos mais dramáticos, traz traços do sueco Ingmar Bergman, especialmente ao optar pelos caminhos psicológicos de um olhar exclusivamente feminino, cuja análise de sentimentos causa tormentas tantos em seus personagens quanto em seus espectadores.
Serviço
Nebulosa de Baco
Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Rua Álvares Penteado, 112
Quintas e sextas, 19h. Sábados e domingos, 17h. Excepcionalmente na estreia, no dia 24/4, a apresentação acontece às 18h30. R$ 30
Até 8 de junho (estreia 24 de abril)