Peça argentina, que se inspira no universo do cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder para tratar com bom humor o delicado tema da ausência, foi destaque no Festival em Santos e será encenada no Sesc Belenzinho
Por Ubiratan Brasil*
Dois policiais (um homem e uma mulher) invadem repentinamente a casa de um casal a procura do filho deles, Bruno, cujo paradeiro os pais desconhecem. Sem perder a viagem, começam a revirar os objetos da casa, todos obsoletos, como videocassete, aparelhos de TV com válvulas e uma máquina de escrever. Para a revolta do casal, que se revela acumulador de objetos descartáveis, os investigadores não dão o devido valor. Esse é o ponto de partida do espetáculo argentino Sombras, por Supuesto (Sombras, evidentemente, em tradução literal), que foi um dos destaques internacionais do Mirada, Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, que terminou domingo em Santos, mas que vem tendo uma extensão em São Paulo.
O espetáculo Sombras, por Supuesto será encenado no Sesc Belenzinho nos dias 18, quarta, e 19, quinta-feira. Excelente oportunidade para se descobrir um instigante texto que se articula em torno da ausência. Com direção Romina Paula à frente da Compañía El Silencio, a peça é um exercício inspirado na linguagem do cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder (1945-1982): o ar espectral, a experimentação, o estranhamento nas atuações.
O espetáculo começa, aliás, com citação ao filme Katzelmacher (1969) que, no Brasil, recebeu o título O Machão. Ali, um imigrante grego chamado Yorgos sofre toda sorte de preconceitos. Alienados e reprodutores de um ódio instintivo e ignorante, os jovens alemães se tornam vítimas deles mesmos, situação que os fazem blindados a todo tipo de agressão verbal, ética ou moral possível.
Na peça, isso reverbera na ação dos policiais que, inicialmente, investigam de forma burocrática o desaparecimento do jovem, um caso sobre o qual não se explica muito bem. Mas, o que começa como uma discussão sobre objetos familiares e sua obsolescência, vai sutilmente se transformando em confissões pessoais, trazendo à tona as sombras íntimas de cada personagem.
Tais sombras são, na verdade, acontecimentos ou pequenas circunstâncias que parecem querer perturbar o presente de forma muito contundente. E isso se tornará um ponto de partida para que cada um dos personagens comece a perceber quem realmente eles são. Conhecer estes homens e mulheres em uma intimidade inesperada faz com que o espectador se detenha com maior interesse naquela construção dramática que cresce e se consolida.
Afinal, quando um ser humano se torna “obsoleto” como são hoje alguns objetos, como aparelho de videocassete? Como bem observou o crítico teatral do jornal La Nación, “na catarse de cada um dos personagens, as sombras revelam que na solidão, na tristeza e no desamparo sofrido por essas criaturas está o germe de um mundo contemporâneo em que os seres humanos desaparecem ou tentam escapar da melhor maneira que podem porque socialmente, não encontram apoio que lhes permita crescer de acordo com as suas necessidades pessoais“.
Para isso, é essencial a interpretação dos atores (Esteban Bigliardi, Esteban Lamothe, Susana Pampin e Pilar Gamboa), que oferecem admirável naturalidade a esses quatro personagens que, aos poucos, se mostrarão com profunda transparência.
*O repórter viajou a Santos a convite do Sesc Santos
Serviço
Sombras, Por Supuesto
Sesc Belenzinho. R. Padre Adelino, 1000.
18 e 19 de setembro (quarta e quinta), 21h30. R$ 60