Versão livre do mito grego escrita por Consuelo de Castro em 1997 ganha montagem dirigida por Reginaldo Nascimento, que valoriza os diálogos políticos
Por Ubiratan Brasil
O mito grego de Medeia já foi explorado por autores clássicos como Sêneca e Eurípedes, além de ganhar visões diversas ao longo dos anos, inclusive no Brasil. Mesmo assim, chamou atenção a versão apresentada por Consuelo de Castro (1946-2016), em 1997. Intitulada “Memórias do Mar Aberto: Medeia Conta Sua História”, a peça traz um forte teor político.
O jogo do poder também marca a versão do espetáculo que estreou no Teatro Paiol Cultural, célebre espaço inaugurado em 1969 por Perry Salles e Miriam Mehler, que abriu curiosamente com um texto de Consuelo, “À Flor da Pele”, o primeiro de sua carreira a ser encenado.
Autora que fez parte da chamada “geração de 1969“, ao lado de Antônio Bivar (1939-2020), Leilah Assumpção (1943), José Vicente (1945-2007) e Isabel Câmara (1940-2006), Consuelo de Castro acreditava que teatro é uma consciência da vida, portanto, a traição de Jasão com Medeia não é amorosa, mas política. “Mais do que a tragédia de um amor perdido é a tragédia de um ideal traído”, disse ela ao jornal Folha de S.Paulo, em 1998, quando da primeira leitura de seu texto. “A minha Medeia é humanista, libertária.”

Na peça, Medeia tem ideais políticos e chefia a expedição dos Argonautas no lugar de Jasão. Segundo o mito, a missão desses navegantes era ir à Cólquida buscar o Velocino de Ouro, um presente dos deuses cujo poder era atrair prosperidade.
Medeia lutava para garantir a paz entre os povos do Ocidente e do Oriente. Por esse motivo, foi traída não só pelo amor de Jasão a uma outra mulher, mas por uma aliança política dele com o rei Creonte.
“Sempre quis montar Medeia e convidei o diretor Reginaldo (Nascimento) para embarcar nessa ideia comigo. Mas ele preferia atualizar o original, para se conectar com questões do nosso tempo. Assim, durante nossa pesquisa encontramos a dramaturgia da Consuelo, que se casava perfeitamente com o que queríamos”, conta Roberta Collet, idealizadora e também protagonista do espetáculo.
Assim, a peça coloca o poder feminino a partir dos atos finais de vida, mortes e renascimentos que atravessam o caminho de Medeia. Ela representa a luta de tantas outras pela paz ao longo da história.
Segundo Nascimento, sua encenação busca valorizar os diálogos. “Nosso foco está na força das palavras e na potência das interpretações. Dessa maneira, o cenário é minimalista e a trilha sonora serve apenas para ambientar o espectador”, comenta.
Medeia como símbolo
Todos os personagens já estão mortos – exceto Medeia, pois ela se tornou um símbolo. “Como minha ideia é que ela esteja expurgando os pecados, a narrativa acontece em retrospecto, como um filme. Ou seja, o palácio já foi queimado e os filhos já estão mortos. Assim, quero que os atores e atrizes estejam chamuscados pela poeira do fogo e do tempo”, detalha o diretor.
O elenco, além de Roberta Collet, conta com Felipe Oliveira, Haroldo Bianchi, Joca Sanches e Rodrigo Ladeira. A peça foi montada com recursos próprios, sem o apoio de leis de incentivo.
Serviço
Memórias do Mar Aberto: Medeia Conta sua História
Teatro Paiol Cultural
R. Amaral Gurgel, 164
Sábados, 20h. Domingos, 19h. R$ 60
Até 24 de março