Atriz adaptou, ao lado do diretor Eduardo Figueiredo, como monólogo o texto escrito por Erasmo de Rotterdam no século 16 e que denuncia com humor a hipocrisia e a intolerância presentes na sociedade
Por Ubiratan Brasil
Quando chegou em São Paulo, nesta sexta-feira, 12, para os últimos preparativos do monólogo O Elogio da Loucura, a atriz Leona Cavalli já matutava um acréscimo no espetáculo, que ganha nova temporada a partir do sábado, 13, no Teatro J. Safra. “Vim relendo o livro escrito pelo Erasmo de Rotterdam e percebi frases que podem melhorar a peça, especialmente porque tratam, de alguma forma, com o estado de guerra que o mundo vive atualmente”, conta ela, que chegou do Rio de Janeiro.
Lá, ela interpreta, às quartas e quintas-feiras, o espetáculo Ser Artista, em que apresenta trechos de depoimentos de figuras icônicas da televisão, cinema e teatro, como Bibi Ferreira, Marília Pêra, Eva Wilma e Nicette Bruno, entre outras. Em São Paulo, ela se volta para um projeto que nasceu durante a pandemia, quando apresentações teatrais foram transmitidas pela internet.

“Eu e o diretor Eduardo Figueiredo apresentamos alguns projetos, mas o Danilo (Danilo Santos de Miranda, que dirigiu o Sesc em São Paulo até morrer, em outubro do ano passado) pediu que fizéssemos o texto do Erasmo, que ele conhecia do tempo em que foi seminarista”, conta Leona. Assim nasceu o monólogo que logo estreou no Sesc Belenzinho, no final de 2022, e já correu diversas cidades brasileiras até voltar a São Paulo.
Publicado em 1511, o Elogio da Loucura é uma sátira à sociedade dos séc. XV e XVI. O humanista, teólogo e escritor holandês Erasmo de Rotterdam (1466-1536) traz aqui sua crítica à igreja católica ao colocar a Loucura como narradora do texto. Com isso, ele colocou as relações de poder na sociedade, na política e na igreja, como espelhos de si mesma.
“Tratando de temas polêmicos e criticando declaradamente a Igreja e sus superstições, as guerras e a figura do papa Júlio II, Erasmo constrói sua argumentação afirmando o poder da loucura sobre todos os homens – sejam eles filósofos, clérigos, reis, comerciantes ou papas”, observa Fabrina Magalhães Pinto, professora da Universidade Federal Fluminense, no texto introdutório da edição de Elogio da Loucura publicado pela Edipro, com tradução de Paulo M. de Oliveira.

“A via cômica talvez seja o elemento que tenha imortalizado o Elogio da Loucura, pois, por meio da alegoria da loucura, ele revela livremente seus anseios em relação ao homem moderno”, continua ela.
“Tenho admiração por esse texto há muitos anos e, como não havia uma versão teatral, eu e Eduardo fizemos uma”, conta Leona que, no processo, selecionou diversos trechos do original que dialogam com a situação atual. “Erasmo não fala da loucura como uma patologia, mas da postura da sociedade e da hierarquia que ela própria estabelece”, diz a atriz, que divide a cena com Rafa Ducelli (violoncelo) e Cika (percussão), que executam a trilha sonora composta pelo músico Guga Stroeter. “Ele acompanhou ensaios para captar o clima do texto”, conta Leona.

Além da música, o espetáculo é marcado também pela projeção da imagem de artistas e profissionais da cultura que foram considerados loucos, mas nunca o foram. Criadores como o pintor Vincent Van Gogh e o poeta e ator Antonin Artaud. A loucura, a insanidade mental, não é definida como uma condição humana que se possa adquirir. Erasmo trata a loucura de uma forma externa ao homem, e o homem só será louco se desejar ser.
“Em um momento com tantas adversidades e repleto de inversões de valores éticos, políticos e sociais, um momento onde o homem apresenta sérios sinais de retrocesso e barbárie, a obra de Erasmo de Rotterdam nos apresenta uma importante reflexão sobre civilidade e empatia nos dias atuais”, diz o diretor Eduardo Figueiredo, no material de divulgação do espetáculo.
Serviço
O Elogio da Loucura
Teatro J. Safra. Rua Josef Kryss, 318 – Barra Funda. Tel.: (11) 3611-3042 e 3611-2561
Sábados, 21h. Domingos, 20h30. De R$ 25 a R$ 80
Até 4 de maio