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Gerald Thomas revela sua insatisfação com a humanidade pós-covid em “G.A.L.A.”

Sinopse

Peça que chega ao Sesc Belenzinho traduz ainda seu rompimento com Samuel Beckett

Por Ubiratan Brasil

Em fevereiro de 2020, o diretor e dramaturgo Gerald Thomas voltou feliz das férias desfrutadas em Cancun. O sol acolhedor, a imensidão do mar, a felicidade das pessoas contribuíram para seu bem estar. Mas, pouco depois de chegar a Nova York, onde mora, Gerald descobriu ter sido infectado pelo vírus da covid, doença que já ameaçava o planeta pela sua alta potência letal.

“Depois de muito me exercitar na praia, eu não conseguia nem virar o corpo na cama sem sentir dores terríveis”, relembra o encenador, uma das milhares de vítimas da doença que, então, era desconhecida e sem cura definida. “Para piorar, era obrigado a ouvir os discursos negacionistas do (então presidente americano Donald) Trump.”

Além da fragilidade física, Gerald também enfrentou o desafio de ficar trancafiado em casa, graças ao isolamento social imposto pelos principais governos do mundo para evitar a transmissão do coronavírus. Como sempre fez, o encenador transformou a adversidade em arte, escrevendo a peça G.A.L.A., cuja versão definitiva (ao menos, até o momento) entra em cartaz no Sesc Belenzinho.

Fabiana Gugli em cena de G.A.L.A. Foto Lina Sumizono

Trata-se da história da mulher que, sozinha em um bote e à beira do naufrágio, enfrenta sua travessia existencial. Sozinha, ela busca uma solução enquanto reflete sobre o problema: ela rompe relação com Sancho, o namorado, e com o universo de Samuel Beckett (1906-1989), autor teatral que melhor sintetizou as relações humanas no século 20 ao dizer que “toda palavra é como uma mancha desnecessária no silêncio e no nada”.

“É a mesma terrível sensação de isolamento que vivemos durante a pandemia”, comenta Gerald ao Canal MF. Para o papel principal, que não tem nenhuma relação com Gala, mulher do pintor surrealista Salvador Dali (“a referência é para uma festa de gala”), ele convidou a atriz Fabiana Gugli, solidificando uma parceria artística que já soma 24 anos.

G.A.L.A. passou por várias etapas até chegar a essa versão em cartaz no Belenzinho. Em setembro de 2021, ainda sob a clausura instaurada pela pandemia, Gerald apresentou a peça para um público virtual, em transmissão ao vivo de Fabiana encenando no palco do Sesc Avenida Paulista. “Dirigi da minha casa, nos Estados Unidos”, conta.

O formato permitiu a criação de certas cenas cujo impacto só se descobre na imagem, como um enorme close de Fabiana, de quem só se via um dos olhos. “Era a própria sensação de clausura”, comenta a atriz.

No ano seguinte, a peça foi apresentada presencialmente pela primeira vez, durante o Festival de Curitiba. Gerald relembra que ficou chocado ao ver no chão o plástico que simula as ondas marinhas. “No vídeo, havia um tipo de ilusão que se perdia no palco, especialmente nos espaços onde o plástico não chegava.”

Fabiana Gugli em cena de G.A.L.A. Foto Roberto Setton

Ao longo do processo, Gerald, sempre inquieto, fez modificações na montagem, o que pode continuar acontecendo durante a temporada no Belenzinho. No encontro com a reportagem do Canal MF, por exemplo, na tarde da terça-feira, dia 12, diretor e atriz ainda discutiam a troca de lugar de uma cena decisiva: inicialmente prevista para o meio do espetáculo, Gerald quer levá-la para o fim. “É um momento grandioso, que deixa o público com a sensação real de final de espetáculo. Se apresentada no meio da peça, o que vem a seguir deixa de ter força”, justifica.

Fabiana rebate: “É importante o espectador saber que, mesmo depois dessa cena decisiva, a vida continua, como sempre acontece com todos nós”. O embate parecia pender para a opção da direção.

O espetáculo reflete obviamente os pensamentos de Thomas, cujo estado natural parece ser sempre a indisposição – não física, mas moral e intelectual. Como o “rompimento” com Beckett, de quem foi amigo e seguidor, tornando-se um de seus principais interlocutores e encenadores contemporâneos nos últimos 40 anos. 

Nesta semana, aliás, Gerald presenteou Danilo Santo de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, a correspondência que trocou com o dramaturgo irlandês.

Fabiana Gugli em cena de G.A.L.A. Foto Roberto Setton

O tal rompimento é visível logo nas primeiras falas da mulher de G.A.L.A., quando conversa com o namorado por telefone: “Beckett não está mais lá, seu imbecil. Beckett já virou concreto. Agora é tudo de concreto. Para com essa coisa de ficar idolatrando os cacos desesperançosos da história”. 

Em outro momento da peça, a personagem, ainda conversando (brigando?) com o namorado, diz uma frase com forte teor beckettiano: “A gente vive. A gente sonha. A gente idealiza e a gente se movimenta, a gente atua, se politiza, se mobiliza, se sente ‘vivo’ e ‘militante’, mas, e depois… E depois… Nada”. 

“Esse é um trabalho muito especial para mim, talvez o mais difícil de toda a minha carreira. Uma mulher à beira de um naufrágio, à deriva, fazendo sua travessia particular em uma busca por sentido, com muita graça, contradição, vulnerabilidade e humanidade. Sou atravessada por muitos estados evocados pela dramaturgia de Gerald, criando uma personagem multifacetada, à flor da pele”, comenta Fabiana.

Encerrada a semana de estreia de G.A.L.A., Gerald Thomas retoma os ensaios de Traidor, peça que escreveu especialmente para o ator Marco Nanini, com quem já trabalhou em Um Circo de Rins e Fígados (2005). Agora, Nanini vai viver quatro papéis e vai interagir com imagens e falas pré-gravadas por Fabiana e também por Denise Weinberg, além de três outros atores que estarão em cena interagindo como psiquiatras e juízes. A peça estreia no dia 16 de novembro, no teatro do Sesc Vila Mariana.

Serviço

G.A.L.A.
Sesc Belenzinho – Sala de Espetáculos II
Rua Padre Adelino, 1.000, Belenzinho. Tel.: (11) 2076-9700
Sextas e sábados, 21h30. Domingos, 18h30. R$ 40
Até 8 de outubro

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Ficha Técnica

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Serviço

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