Musical busca trazer uma visão contemporânea para outros dilemas universais na juventude, como identidade e fé
Por Ubiratan Brasil (publicado em 8 de abril de 2025)
A palavra inglesa “bare” tanto pode significar “carrega” (a tua cruz), mas também “revela” (põe a nu a verdade). São os dois significados que marcam o musical Bare – Uma Ópera Pop, em cartaz no Marte Hall, em São Paulo. É um espetáculo sutil, que trata de temas delicados da rotina de muitos adolescentes como identidade, sexualidade, fé e os desafios da juventude.
A história se passa dentro do rígido internato católico St. Cecilia, onde Peter (Andy Cruz) e Jason (Victor Galisteu) vivem uma relação secreta. Enquanto Peter deseja assumir o romance, Jason, popular entre os colegas e pressionado por expectativas externas, teme as consequências de sua identidade. Em paralelo, a narrativa explora as inseguranças de Ivy (Belle Carceres), a luta de Nádia (Manu Gioielli) contra a exclusão social e os conflitos internos de outros alunos.

“Bare faz me sentir em paz com minha espiritualidade”, conta Diego Montez, que divide com Gabi Camisotti a produção do espetáculo com sua empresa Moca – eles firmaram parceria com Luis Rodrigues, da Lumus Produções. “Por causa dos temas considerados bombásticos (homossexualidade, suicídio, bullying), não conseguimos a parceria de nenhum patrocinador. Mesmo sendo assuntos que marcam a rotina escolar de boa parte dos alunos”, diz ele, também diretor artístico do espetáculo.
A peça utiliza recursos como o metateatro, ou seja, acompanha a montagem pelos alunos de Romeu e Julieta, que serve como metáfora para os dilemas emocionais. Em uma bela cena, Peter e Jason interpretam o casal principal (a atriz que viverá Julieta não chegou no ensaio), momento em que as palavras de amor de Shakespeare são ditas com profunda sinceridade.
“O que torna essa peça especial é justamente sua capacidade de abordar questões delicadas sem perder a humanidade. Bare provoca reflexões profundas, mas também traz acolhimento e identificação para quem assiste”, comenta Montez, que chegou a participar como ator de uma montagem do musical em 2018, intitulado Na Pele, mas a produção não vingou. “Foi a mesma dificuldade de acertar patrocínio.”
Ele acredita que o público adolescente atual pede mais produções com temas que cercam sua rotina e que sempre foram negligenciados. “O público jovem sente falta de histórias onde possa se enxergar representado, e Bare surge para preencher essa lacuna, trazendo uma narrativa forte, reflexiva e atual.”
Os atores protagonistas, todos com pouco mais de 20 anos, constatam a atualidade do texto. “O musical toca na ferida”, comenta Victor Galisteu. “A falta de conversa sobre esses assuntos permite que os problemas continuem”, observa Belle Carceres. “Os pais resistem a aceitar nossas escolhas”, completa Andy Cruz.

No papel de Claire, a mãe que não aceita a homossexualidade do filho Peter, a atriz Helga Nemetik traz grande dramaticidade a um papel tão delicado. “Os pais têm dificuldade em aceitar um filho gay e o espetáculo mostra como isso pode ser resolvido de maneira carinhosa”, comenta ela.
Com música e libretto de Damon Intrabartolo e Jon Hartmere, que também assina as letras originais (a eficiente versão em português ficou a cargo de Rafael Oliveira), o musical se identifica como ópera pop, ou seja, quase todo cantado, e traz canções que unem pop, rock e hinos religiosos. A religião é tão central em Bare quanto a sexualidade, e por sólidas razões autobiográficas: tanto Hartmere quanto Intrabartolo são gays católicos.
“Eu ainda não tinha me assumido quando começamos a escrever, e para mim foi uma experiência meio catártica”, disse Hartmere ao jornal The New York Times. “Lembro-me de sentar com Damon no começo, e fiquei enrolando: ‘Só para deixar claro, não sou gay. Então, vamos escrever esse show sobre dois garotos se apaixonando, e farei o meu melhor para imaginar como é isso’.”
A peça estreou em 2000, no circuito off Broadway e logo conquistou plateias, apesar dos temas delicados. Hoje o assunto é mais familiar para os jovens, acredita Gabi Camisotti. “No início, eu não era uma apaixonada pelo texto, mas logo percebi a importância de divulgar a sua verdade.”
Serviço
Bare, Uma Ópera Pop
Marte Hall. Rua Domingos de Morais, 348
Terças e quartas, 19h30. R$ 60 a R$ 180
Até 7 de maio (estreou 1º de abril)