Inspirada em ensaio publicado em 1928, peça destaca o discurso da escritora em prol da causa feminista
Por Sérgio Roveri
Vocês têm ideia de quantos livros são escritos sobre mulheres no decorrer de um ano? Vocês têm ideia de quantos deles são escritos por homens? Por que um sexo é tão próspero e o outro, tão pobre? Qual o efeito da pobreza sobre a ficção? Estas são apenas algumas das incontáveis questões levantadas pela escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941) em seu clássico ensaio Um Teto Todo Seu. Publicado em 1928, o ensaio traz os principais tópicos de duas palestras dadas pela escritora em Newnham College e Girton College, duas faculdades femininas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Convidada a falar sobre o tema “As Mulheres e a Ficção”, Woolf expandiu os limites da encomenda de modo a registrar suas experiências pessoais como mulher e artista, sua observação aguçada da realidade da época, seu olhar cuidadoso sobre ninharias do cotidiano, como a figura de um gato sem rabo que cruzou seu caminho, além de recorrer a um sem número de citações que emprestam à obra um verniz enciclopédico.
Mais importante que tudo: revestiu o trabalho de tamanha elegância de estilo que faz com que o ensaio, um gênero acadêmico por excelência, possa ser apreciado com o mesmo encanto destinado aos romances e à poesia. Em suma, a autora defende que, para escrever ficção, a mulher precisa de dois itens inegociáveis: dinheiro e privacidade, ou, em suas próprias palavras, um quarto com tranca na porta para poder se dedicar ao ofício, sem a interrupção de maridos e filhos.
Adaptado para o teatro e em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade, o espetáculo Um Teto Todo Seu não se prende a responder às questões formuladas acima, já que a própria autora parece não ter encontrado uma solução satisfatória para elas. Em vez disso, a peça concentra-se em trabalhar a impressionante longevidade das ideias de Woolf.
“Quase cem anos após ter sido publicado, Um Teto Todo Seu continua sendo uma referência obrigatória sempre que se pretende discutir o feminismo”, diz Márcia Abujamra, que assina a direção do espetáculo. “É difícil acreditar que um ensaio, ainda mais no caso deste, que aborda principalmente questões comportamentais, continue soando tão atual depois de tanto tempo. É claro que a situação da mulher mudou muito ao longo destes cem anos, mas alguns pontos que a autora aponta em seu estudo, e que nós recuperamos no espetáculo, continuam preocupantemente atuais. Ninguém tem dúvidas de que ainda vivemos em um regime patriarcal.”
Abujamra acredita que, embora seja mais conhecida pelos romances e contos, em Um Teto Todo Seu Virginia Woolf revela um lado menos exposto da sua produção – o da ativista em prol das causas feministas. “Ainda que o cerne do ensaio seja a mulher e a ficção, seu discurso não se dirige apenas a uma classe mais específica de mulheres, as escritoras, as acadêmicas ou as intelectuais. Longe disso. Virginia se dirige a todas as mulheres, ela se dirige, como aparece citado várias vezes ao longo do ensaio, à metade da população do planeta”.
Um Teto Todo Seu traz no elenco as atrizes Luciana Carnieli e Noemi Marinho. Carnieli dá voz a Virginia Woolf, mas sem o peso de se prender a aspectos biográficos da escritora – o público irá ver em cena o recorte específico de uma escritora às voltas com duas palestras. Cabe a Noemi Marinho a função de estabelecer uma ponte entre a plateia e a autora, ou, dito de outra maneira, uma ponte entre uma mulher de 2023 e outra de 1928.
Para isso, Marinho não interpreta exatamente um personagem: no palco ela é Noemi Marinho, uma atriz de teatro que faz a intermediação entre uma palestrante e uma plateia fictícia de mulheres. “O que eu faço é praticamente uma tradução simultânea da palestra que está sendo dada”, diz Marinho. “Eu ajudo a trazer a escritora para os dias atuais e, ao fazer isso, eu mostro que talvez haja mais verdade na ficção do que nos fatos”.
Antes de ser convidada para o projeto, Luciana Carnieli conhecia Virginia Woolf da leitura dos romances Orlando, O Farol e Mrs. Dalloway. Ao aceitar o papel, mergulhou numa pesquisa aprofundada sobre a escritora, mesmo ciente de que não seria um espetáculo do tipo vida e obra. “O que nos interessa aqui é recuperar o pensamento vivo e cativante dela, é promover uma comunicação entre mulheres separadas por um século”.
Serviço
Um Teto Todo Seu
Oficina Cultural Oswald de Andrade – Sala 11 – Rua Três Rios, 363, Bom Retiro
Quintas e sextas, às 19h30, e sábados, às 15h e 18h
Ingressos gratuitos, distribuídos 1 hora antes do início do espetáculo
Até 9 de setembro