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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

“Tennessee Williams Deve Morrer!” usa metalinguagem para trazer à tona o lado desconhecido do dramaturgo

Sinopse

A montagem, dirigida por Marcelo Braga, mostra dois irmãos, um ator e uma atriz, que recriam uma peça como resposta a uma crítica negativa

por Dirceu Alves Jr.

Em 2013, o ator, dramaturgo e diretor Marcelo Braga assistiu ao espetáculo Berro, dirigido por Eduardo Tolentino de Araujo, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet. O texto, protagonizado por Mariana Muniz e Rubens Caribé (1965-2022), é uma das obras maduras do estadunidense Tennessee Williams (1911-1983), escrito em 1973. Na saída, Braga pensou o quanto é rica a dramaturgia do autor e, no entanto, seu nome fica persistentemente restrito aos maiores sucessos, O Zoológico de Vidro (1944), Um Bonde Chamado Desejo (1947) e Gata em Telhado de Zinco Quente (1955).

Braga correu atrás de títulos menos conhecidos de Williams, principalmente aqueles publicados depois de 1960, quando, consagrado, largou a zona de conforto para testar linguagens e mexer mais a fundo nos próprios demônios. Um exemplo disto é o estreitamento das discussões familiares, principalmente as relações que envolvem a sua mãe, Edwina, e a irmã, Rose, e questões relativas à sexualidade e ao alcoolismo.

Espetáculo Tennessee Williams Deve Morrer! – Foto Helton Nóbrega

Tennessee Williams Deve Morrer!, peça escrita por Braga e Luis Filipe Caivano, em cartaz no Auditório do Sesc Pinheiros, tem inspirações em Berro. Se, naquela história, os irmãos e atores são abandonados pelos colegas da companhia, os bastidores teatrais também norteiam a nova montagem da Cia. Filhos do Dr. Alfredo, dirigida por Braga. Aqui, os protagonistas são Rose e Tom (interpretados por Vivian Bertocco e Luciano Schwab), irmãos e atores, que, prestes a entrarem em cena, se sentem impactados por uma crítica escrita sobre o trabalho deles. Diante da dura análise, Tom, que também é dramaturgo, se enfurece e decide reescrever a peça em resposta aos ataques do jornalista e colocá-la em cena na mesma noite.  

Braga afirma que Tennessee Williams Deve Morrer! é o resultado de uma necessidade de vários respiros. No auge da pandemia, muitas questões se acentuaram e a montagem de Tolentino para Berro voltou à sua memória. “Sempre quis entender melhor a relação de Tennessee com essa irmã, a Rose, que o levou a escrever O Zoológico de Vidro”, diz o diretor e coautor. “Só que eu não queria focar nos personagens dele e pesquisei para entender o lado humano, principalmente lendo a sua biografia.”

Ao lado de Caivano, Braga deu início a um processo de escrita a quatro mãos. A relação entre dois irmãos, as crises que se abatem sobre os artistas, a recepção de uma opinião negativa e o quanto um estigma se abateu sobre o dramaturgo por causa das peças famosas movem a ação. “Tennessee foi acusado de ser excessivamente autobiográfico, o que não é verdade, porque ele escreveu sobre os perdedores da sociedade e tem incursões pelo teatro épico, absurdo, homenagens ao poeta Federico García Lorca”, defende Braga.

Espetáculo Tennessee Williams Deve Morrer! – Foto Helton Nóbrega

O título – “Tennessee Williams Deve Morrer!” – é uma citação a um artigo publicado pelo crítico Howard Taubman assim batizado. Entre outras coisas, o autor do texto falava que as inovações propostas pelo dramaturgo não faziam mais sentido e as referências a ele deviam ser impressas nos obituários dos jornais. “Por isso, nossa ideia é dar uma visão hegemônica da sua história e obra e chamar atenção para peças que não são conhecidas no Brasil”, explica Braga. “Não nos interessa reforçar o que as pessoas conhecem.”

O espetáculo é pautado pela metalinguagem. Em meio aos preparativas da peça, que vai sendo recriada simultaneamente por Tom, ele e a irmã comentam personagens famosos do autor e passagens marcantes de sua vida, como as relações amorosas, os excessos com as bebidas e as drogas e as internações. Nada, entretanto, é excessivamente cerebral ou exige do espectador um conhecimento prévio sobre Tennessee.

Segundo Braga, houve a permanente preocupação em deixar clara para a plateia o que é a peça ensaiada pelos irmãos e o que são fragmentos da biografia ou da ficção do autor. “Tanto que Aline Santini, responsável pelo nosso desenho de luz, criou duas iluminações diferentes, uma que chamamos de luz de cena e outra que é a luz de ensaio.”

A Cia. Filhos do Dr. Alfredo foi fundada em 2001 por atores e atrizes formados pela Escola de Arte Dramática (EAD), da USP, e o nome homenageia Alfredo Mesquita (1907-1986), o fundador da instituição. O espetáculo de estreia, Pelo Buraco da Fechadura (2002), partiu de crônicas de Nelson Rodrigues (1912-1980). Sinfonia do Tempo (2004), dirigido por Silnei Siqueira (1934-2013), e Ritual Íntimo (2007), baseado no escritor João Silvério Trevisan, foram espetáculos marcantes da década de 2000 e, mais recentemente, o grupo apresentou Montanha Russa (2018) e Quem Fica com Quem (2019), também calcados no metateatro.

Espetáculo Tennessee Williams Deve Morrer! – Foto Helton Nóbrega

Vivian Bertocco, a Rose, faz a primeira incursão no universo de Tennessee Williams. Nos tempos de EAD, Luciano Schwab participou de uma versão de À Margem da Vida (o outro nome comumente usado para O Zoológico de Vidro) e Marcelo Braga realizou leituras de Esta Propriedade Está Condenada e Fala Comigo Doce Como a Chuva, textos publicados pelo autor, respectivamente, em 1946 e 1953. 

A atriz garante, porém, que não buscou inspiração nas célebres personagens do autor, como a Blanche de Um Bonde Chamado Desejo ou a Maggie de Gata em Telhado de Zinco Quente. A base de sua interpretação veio das pesquisas em torno das biografias de Tennessee. ‘É muito claro que a Amanda e a Rose, de O Zoológico de Vidro, representam a mãe e a irmã dele”, diz Vivian. “Mas o meu objetivo é mostrar quem eram essas mulheres e como elas eram atingidas ou reagiam às questões da sua época.”  

Serviço

Tennessee Williams Deve Morrer!. Auditório do Sesc Pinheiros. Rua Pais Leme, 195, 3º andar, Pinheiros. Quinta a sábado, 20h. R$ 50,00.

Até 14 de dezembro. (estreia hoje, 21 de novembro).

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Ficha Técnica

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Serviço

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