Texto de Nelson Rodrigues, escrito em 1962, é encenado atento às hipocrisias brasileiras e à ascensão da direita no país que quer ditar os costumes da sociedade. Com um cenário sufocante de pneus e borracha e figurinos que potencializam a derrocada dos valores éticos, o espetáculo ressalta as características da identidade atual brasileira
Por Redação Canal Teatro MF (publicado em 1º de abril de 2025)
A dramaturgia de Nelson Rodrigues (1912-1980), sempre situada no Rio de Janeiro, explicitou de forma contundente a hipocrisia da sociedade e, para isso, ele se valia de frases emblemáticas que perduraram no imaginário dos que acompanharam as suas produções. Além disso, cenas marcantes e títulos irreverentes dados aos seus textos sugerem que o dramaturgo provavelmente esboçava um sorriso sarcástico a cada pérola escrita em sua máquina de escrever.
Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária, intitulada por ele como uma tragédia carioca em três atos, foi escrita no ano de 1962 e três vezes adaptada para o cinema, nos anos de 1963, 1981e 2013. A segunda produção trazia Lucélia Santos em uma cena em que ela era estuprada por um grupo de homens em um cemitério de automóveis.

A personagem era a tal bonitinha, mas ordinária, que dava título a obra. Filha de um empresário, ela é oferecida em casamento a um de seus funcionários para suplantar o passado marcado por essa violência. O dilema de Edgar, o contínuo, está em aceitar a proposta ou manter-se fiel ao verdadeiro amor, uma mulher pobre que precisa se prostituir para sustentar a mãe louca e as três irmãs.
O diretor Nelson Baskerville partiu deste texto para criar um espelho cruel das hipocrisias brasileiras na distopia Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária ou no Brasil todo mundo é Peixoto, que ganha uma nova temporada no Teatro de Contêiner, a partir de 4 de abril.
Em um cenário sufocante de pneus e borracha, a peça acompanha Edgard e o dilema entre dinheiro e moralidade que o arrasta por um universo de desejos reprimidos, traições e valores distorcidos. A encenação expõe as principais hipocrisias da sociedade brasileira, intensificadas pelo recente avanço da extrema direita no país, que ficou camuflada durante muitos anos.

E, para representar essa sociedade corrompida pelo poder e pela aparência, aparecem em cena figuras mascaradas com sacolas plásticas de supermercado e vestidas com figurinos manchados por lama.
A trilha sonora do espetáculo, executada ao vivo, mescla sucessos de Astor Piazzolla como Vuelvo al Sur e Adios Nonino, com uma variada lista de músicas brasileiras, que vão de Roberto Carlos a José Augusto. Elas embalam as desventuras de Edgard que, por uma situação de miserabilidade, vê-se na encruzilhada entre tornar-se um próspero milionário ou honrar a educação e ética transmitida por seu pai.
Serviço
Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária ou no Brasil Todo Mundo é Peixoto
Teatro de Contêiner Mungunzá. Rua dos Gusmões, 43
Sextas e sábados, 20h. Domingos, 18h. R$ 60
Até 27 de abril (reestreia 4 de abril)