Primeira encenação do texto no Brasil, que foi escrito quando a dramaturga Luh Maza tinha apenas 16 anos, celebra suas duas décadas de carreira; o projeto contempla a remontagem do texto Kiwi e um encontro para debater a sua escrita
Por Redação Canal Teatro MF
Em A Paixão Segundo GH, de Clarice Lispector, a personagem, ao entrar no quarto de sua ex-empregada que havia abandonado o trabalho recentemente, encontra uma barata. A partir daí, se desenrola uma narrativa em formato de fluxo de consciência, que habita a mente daquela mulher. Em Carne Viva, a dramaturga e diretora Luh Maza escreveu, aos dezesseis anos, um dos seus primeiros textos, no qual a ação se passa dentro da mente de uma personagem que, a partir do contato com um pedaço de carne que será preparado para saciar a fome de seu marido, entra em uma vertigem onde ela se vê como Jesus Cristo – o Deus masculino da sociedade patriarcal.
Clarice Lispector é uma das maiores inspirações para Luh Maza, que celebra 20 anos de carreira com a encenação de Carne Viva pela primeira vez no Brasil. Ele foi montado por ela há dez anos em Portugal. E agora é a vez do público brasileiro conhecer essa dramaturgia, já publicada em três edições – na Coleção Primeiras Obras (Imprensa Oficial, 2009 – indicada ao Prêmio Jabuti de Literatura), Teatro (Chiado Editora – Lisboa, 2015) e Dramaturgia Negra (Funarte, 2019). Carne Viva estreia na quinta-feira, 20 de março, no Sesc 24 de Maio.

Entre a cozinha e a sala de jantar, a personagem, descrita apenas como “Uma Mulher”, se desloca dos papéis de gênero e passa a questionar seu passado atravessado pela violência doméstica e por sua resiliência, enquanto busca algum tipo de redenção frente a uma tragédia anunciada em sua vida. O ordinário experiencia o extraordinário e faz um recorte do papel da esposa na cultura ocidental dos séculos XIX e XX .
Se o teatro atual tem se pautado em dramaturgias voltadas mais a depoimentos e discursos pessoais que à fantasia, Luh Maza traz o gênero da tragédia, que aqui flerta com o terror, para provocar uma experiência de sinestesia dentro da sala do teatro, próxima à linguagem cinematográfica, já que a diretora também se dedica ao audiovisual, onde a imersão do público se faz mais presente. Trata-se de uma história com linguagem lírica e, sobretudo, de uma fabulação para alimentar a instância do eu lírico, essa outra pessoa, que não anuncia um discurso direto, mas convida à alteridade com sua existência específica e, através da reflexão, permite aos espectadores fazerem suas próprias correlações, analogias e traduções para suas experiências individuais.

Escrito inicialmente como monólogo, a atriz acabou sofrendo um acidente que limitava seus movimentos, durante os ensaios para a montagem portuguesa. Para dar conta da partitura de movimentos e musicalidades que compõem suas encenações, Luh Maza decidiu então multiplicar a personagem, incorporando outras duas atrizes em uma versão polifônica, o que contribuiu para a amplificação da força do texto e da cena. Fractais, as atrizes Christiane Tricerri, Mawusi Tulani e Tenca Silva carregam em si o todo da personagem e evocam diferentes mulheridades.
A estreia inclui a programação de outros dois eventos para celebrar os 20 anos dessa artista – a remontagem do seu premiado sucesso Kiwi e o encontro O Corpo como Alimento no Teatro de Luh Maza, um bate papo com a criadora e integrantes das montagens originais de Carne Viva, em 2015; e Kiwi, em 2016, para refletir a produção dramática da artista, com mediação da jornalista e dramaturga Sílvia Gomez.
Serviço
Carne Viva
Sesc 24 de Maio. Rua 24 de Maio, 109
Quintas, 19h. Sextas e sábados, 20h. Domingos e feriados, 18h. Não haverá apresentação no dia 18 de abril. Sessão extra no dia 19 de abril, sábado, 17h. R$ 60
Até 20 de abril (estreia 20 de março)