Peça usa do humor para mostrar as mudanças que chegam com a maternidade
Por Sergio Roveri
Nos nove meses que passou em uma pequena sala de ensaio no Rio de Janeiro, dirigindo as atrizes Samara Felippo e Carolinie Figueiredo no espetáculo Mulheres que Nascem com os Filhos, a atriz e agora diretora Rita Elmôr enfrentava um dilema pessoal: a frustração de não conseguir engravidar. Como o tema do espetáculo era a maternidade – e suas incontáveis ramificações –, ela se via obrigada a confrontar diariamente um desejo que não se realizava. Logo após a estreia da peça, Rita Elmôr engravidou. Nina, sua filha, está agora com três anos e quatro meses, não possui celular e nem iPad e, durante as refeições, “senta-se à mesa e conversa animadamente com quem está ao lado”.
“Por isso que eu não vejo exagero em dizer que Mulheres que Nascem com os Filhos é um espetáculo que, entre temas como puerpério, amamentação e aceitação do corpo depois do parto, trata também da cura”, diz Elmôr, nesta sua primeira e já bastante elogiada incursão pela direção. “A peça apresentou uma possibilidade de cura para mim, para as duas atrizes em cena e, tenho certeza, para uma grande parcela do público que nos assiste. Ficar grávida traz a consciência de uma mudança na vida que só quem passa por esse processo é capaz de compreender. Não é fácil, há muitos momentos de dor e solidão pelo caminho. Mas, na nossa encenação, mostramos que também pode ser muito engraçado e prazeroso.”
Sucesso de público em sua primeira temporada na cidade, Mulheres Que Nascem com os Filhos retorna ao cartaz no Teatro MorumbiShopping, disposta a retratar, com o auxílio da ironia e do bom humor, o quadro de transformações vivido pelas mulheres após a maternidade. Ao ser convidada por Samara e Carolinie para assinar a direção do espetáculo, Rita recebeu das atrizes um texto que, na opinião delas, provavelmente estivesse pronto para ser levado à cena. “Eu li e senti que não era aquilo que eu tinha em mente”, recorda a diretora. “O texto, na minha opinião, não trazia ainda a profundidade que eu buscava, era apenas uma peça sobre a maternidade tratada de um modo pouco complexo.”
Rita propôs então que, pelos próximos três meses, elas se reunissem para escrever uma nova história, uma gestação compartilhada a partir das experiências de cada uma delas. “Os três meses de ensaio viraram nove, não por coincidência o tempo de gestação de uma criança. Foi bom aquele texto inicial ter existido, ele serviu de ponto de partida. Mas o texto que está hoje em cena, este nasceu nos ensaios e foi construído com base nas nossas experiências pessoais. O resultado desta imersão foi um espetáculo muito corporal, cujas cenas só foram digitadas no computador quando já estavam resolvidas no palco”.
Falar da maternidade, na opinião da diretora, exige a discussão de dois outros assuntos primordiais: a ancestralidade e o patriarcado. “Temos de abordar o que foi a vida das nossas mães, das nossas avós, de gerações e gerações de mulheres que foram silenciadas pela opressão social e confinadas apenas ao trabalho doméstico”, diz Rita, para quem a maternidade, por outro lado, não pode eliminar a potência da mulher em outras esferas da vida. “Depois de ter filhos, a mulher quer voltar ao mercado de trabalho, quer ser forte, quer ser bonita, não espera ser vista pela sociedade apenas como mãe”.
Elencar de maneira organizada os temas abordados pelo espetáculo soa como um desafio complexo – não há uma linha cronológica e menos ainda uma ideia central que dê encadeamento às cenas. “A peça não segue caminhos racionais, não existe uma história única, são flashes que cada pessoa da plateia pode compreender de um jeito”, explica Elmôr, também responsável pela concepção do cenário e trilha sonora. “Há uma pequena cena, por exemplo, em que trazemos depoimentos de outras mães que, quando questionadas sobre o que fariam se tivessem 24 horas livres, fornecem as mais variadas e hilariantes respostas. A maioria, no entanto, concorda apenas que aproveitaria esse recesso de 24 horas para dormir”.
O público masculino também encontra abrigo sob a grande e frutífera árvore que representa o principal elemento do cenário. “A peça impacta muito os homens, é como se eles adentrassem em experiências femininas as quais não costumam ter acesso”, explica a diretora. “Quando este homem senta na plateia e olha com distanciamento o que existe no interior das mulheres, ele se torna mais empático. Não há um dedo acusador apontando para eles. Gerar empatia nos homens é uma cura para eles e para nós”.
Serviço
Mulheres Que Nascem com os Filhos
Teatro MorumbiShopping – Av. Roque Petroni Jr., 1089 Piso Superior G1
Sexta e sábado às 20h e domingo às 19h.
R$ 80 e R$ 40 (meia entrada)
Até 19 de novembro