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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Diversão circense inspirada na vida de moradores da periferia

Sinopse

“Circomuns” fala para todas as idades sobre estudantes, motoboys, artistas de rua, eletricistas, entre outros personagens do bairro periférico paulistano chamado Cidade Tiradentes

Por Dib Carneiro Neto

Conhecer um bairro periférico, com sua gente, suas realidades e diversidades, por meio da linguagem circense, em um espetáculo teatral de censura livre. Assim é Circomuns, do repertório do grupo Circo Teatro Palombar, de Cidade Tiradentes, bairro localizado no extremo da Zona Leste e onde vivem todos os integrantes da longeva companhia.

As sessões serão gratuitas, nos dias 29 e 30 de novembro, 7 e 8 de dezembro no Centro Cultural Olido, região central de São Paulo. A coordenação geral e a direção são de Adriano Mauriz, que concedeu uma entrevista muito rica e elucidativa, com exclusividade, para o Canal Teatro MF. Confira e saiba como o teatro para todas as idades pode ser um exercício potente de cidadania e empatia. 

O espetáculo é inspirado na realidade de moradores do bairro Cidade Tiradentes. Qual é essa realidade?
A realidade do bairro é marcada por desafios diários, mas também por uma imensa capacidade de superação e resiliência. Assim como muitas outras áreas da cidade, ele enfrenta desafios típicos de regiões afastadas do centro urbano, como a falta de infraestrutura adequada, dificuldades no acesso à educação, saúde e emprego, além da escassez de serviços públicos. É uma periferia, que lida com a escassez de recursos e oportunidades, mas também com uma energia vibrante e um senso de comunidade forte. O bairro é repleto de trabalhadores que buscam alternativas criativas para driblar as dificuldades da vida, e uma comunidade que cria formas potentes de expressão e sobrevivência, de onde também surge uma rica cultura urbana. A arte e a cultura, muitas vezes inspiradas pela vivência cotidiana desse bairro, se tornam poderosas ferramentas de resistência e de construção de identidade.

Cena de Circomuns. Foto Dalton Yatabe

Fale um pouco sobre sua direção do grupo nesse espetáculo.
A direção do Circo Teatro Palombar em Circomuns é profundamente sensível e atenta à realidade dos moradores da periferia. A proposta é traduzir, por meio da linguagem circense, as histórias e experiências reais de quem vive na Zona Leste de São Paulo, incluindo os próprios integrantes do grupo, que são moradores desse território. A direção busca, com delicadeza, apresentar a beleza encontrada nas pequenas vitórias diárias e nos momentos de luta. O Palombar, atento às transformações da sociedade contemporânea e aos novos meios de viver e sobreviver, busca constantemente reinventar e ressignificar as técnicas circenses, criando um diálogo entre a tradição e a realidade urbana. Além disso, cada movimento e cena são pensados com rigor, buscando sempre a perfeição técnica, mas sem perder de vista a leveza e a diversão dos próprios atores.

Em termos de linguagem circense, o que Circomuns traz de novo, inusitado ou surpreendente?
Circomuns
traz uma abordagem inovadora ao mesclar a linguagem circense com elementos da cultura urbana, criando um espetáculo que é ao mesmo tempo tradicional e contemporâneo. O uso de elementos como o breakdance, a pixação, o hip-hop, os sons da rua, no contexto do circo, é algo ainda “raro” e ousado. A companhia incorpora esses elementos não apenas como referências estéticas, mas como formas legítimas de expressão artística, dialogando diretamente com a realidade da periferia paulistana e criando uma linguagem própria. São referências contemporâneas que refletem as dinâmicas atuais da sociedade, trazendo para o palco elementos que conectam o público com a realidade cotidiana. Além de atualizar as técnicas circenses, o grupo também experimenta novas formas de executar esses movimentos, sempre buscando inovar. Um exemplo disso é o uso criativo de uma mochila gigante de entregador de delivery, que se transforma em um quadrado de malabares (técnica conhecida como diabolo), que é incorporado de maneira única ao espetáculo, com uma música que narra as ruas do bairro Cidade Tiradentes, levando o público a se ver pelas ruas desta região. Uma criação pautada na realidade dos artistas, que é algo muito contemporâneo, pois estão falando deles, mas, mesmo quando são temas duros, são apresentados de uma forma lúdica e poética, pois o circo atravessa tudo isso de uma forma muito fantástica. Outra coisa que surpreende é a união de elementos e a experimentação na música, no teatro e no circo para a criação artística. Todos eles têm formação em diversas habilidades, e o fato de o mesmo artista tocar, fazer teatro e a técnica circense surpreende. Ninguém espera que a mesma pessoa que toca um instrumento vá se levantar e executar uma técnica circense ou que faça as duas coisas ao mesmo tempo. 

Outra cena de Circomuns. Foto Dalton Yatabe

Na trajetória desse espetáculo, quais cenas são as que fazem mais sucesso?
A maioria das cenas acabam fazendo sucesso pois expressam a luta diária e a superação dos personagens com poesia e graça, e aí o público se identifica. Temos um super herói, por exemplo, o “Super Cleitinho”, personagem fruto dos anseios de um trabalhador que enfrenta sua sina diária dentro de um transporte coletivo e, ao ouvir uma linda música em seu fone de ouvido, se permite sonhar em ser um super herói e tocar música nas alturas. O público se identifica bastante com essa viagem física e mental do personagem, em suas idas e vindas ao trabalho. O espetáculo também traz a figura de um entregador de aplicativos cujas acrobacias com sua moto e caixa de entregas representam a habilidade dos trabalhadores urbanos. O momento em que o espetáculo mistura o circo com o hip-hop também é especialmente impactante, pois traz a energia das ruas para o palco de forma vibrante. Uma outra cena que sempre emociona o público é a cena do arame, em que o ator Guilherme Torres está como um homem indo pro trabalho, e que depois tem aquela referência do “Tempos Modernos” na maleta. Uma técnica de arame incrível que finaliza com essa máquina de moer carne do dia-a-dia. 

Como as crianças reagem ao espetáculo?
As crianças, muitas vezes as mais conectadas à essência do espetáculo, reagem com grande empolgação e identificação. O ritmo contagiante da música, a agilidade dos movimentos e a energia do espetáculo falam diretamente com o imaginário infantil. Elas se encantam com a leveza e a ousadia do circo, mas também reconhecem, de forma sensível, as histórias de superação e resistência que estão sendo contadas, pois muitas vezes fazem parte da sua própria realidade. Circomuns acaba sendo, para elas, uma forma de ver a própria realidade de uma maneira nova e cheia de possibilidades. Uma das músicas termina assim “Eu sou artista, ajo como um malabarista” e fica repetindo. As crianças gritam junto, se veem representadas. Elas sentem que elas também podem. Isso é mágico.

Na sua opinião, qual o segredo para a longevidade do grupo Palombar?
O segredo para a longevidade do Circo Teatro Palombar está no seu compromisso com a arte, com a coletividade e com a transformação das vivências periféricas em uma potência criativa. Ao longo de seus 12 anos, o grupo se fortaleceu com a união e a perseverança de seus integrantes, que constantemente buscam inovar em suas práticas artísticas, sem perder a essência de suas raízes. Além disso, a conexão com a comunidade local e o investimento em projetos formativos para jovens da periferia são fundamentais para manter o grupo conectado entre si, antenado às mudanças da sociedade e em constante renovação. É um trabalho que mantém uma energia pulsante que se renova, se transforma e faz com que o grupo siga em frente. 

O espetáculo infantil Circomuns. Foto Carlos Goff

E qual o segredo para um coletivo com 12 integrantes conseguir conviver bem diante de tanta diversidade e talentos múltiplos?
O grupo vem de uma formação prévia que aconteceu durante o trabalho de circo social do Instituto Pombas Urbanas, que acontece no Centro Cultural Arte em Construção, em Cidade Tiradentes. Desde crianças, eles participaram e o primeiro plano do projeto são valores humanos, empatia, colaboração, cultura de paz. Então esse primeiro plano veio antes de ser um grupo. Criar valores para a vida. Nós até brincamos dizendo que são “artistas para a vida”. Independentemente dos que viraram artistas, todos são seres humanos mais legais onde quer que estejam. E os que escolheram seguir na profissão e formaram o grupo, escolheram isso para a vida. Até o Paulinho, um dos integrantes, diz que: Minha perspectiva era ser porteiro, não que ser porteiro seja uma coisa ruim, mas eu sou a primeira pessoa da família a poder exercitar a arte e a sensibilidade. Esse aspecto de ter feito a escolha pela arte como uma escolha de vida e ter valores humanos tão fortes faz com que, mesmo diante das adversidades, eles exercitem essa ferramenta que é o diálogo e a construção coletiva. Existe uma valorização do trabalho cooperativo, no respeito pelas diferenças e uma força do propósito do grupo como um todo. Cada integrante traz uma bagagem única, tanto artística quanto de vida, e isso se reflete na criação de espetáculos plurais, onde cada talento se complementa, mas também na convivência diária, onde tantos sentimentos se misturam, mas acaba prevalecendo a vontade de fazer acontecer, a vontade de se expressar pela arte, o foco no propósito do grupo. É um processo de troca intenso, mas sempre prevalece o respeito e a admiração por esses caminhos diferentes que se encontraram dentro do Palombar. 

Serviço

Circomuns

Centro Cultural Olido – Teatro. Av. São João, 473

Sexta e sábados 20h. Domingo, 19h.

Ingresso gratuito. Até 8 de dezembro

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Ficha Técnica

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Serviço

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