Tema adulto e relevante aparece em “Casa de Vó”, do Coletivo Corpo Aberto, que atua há dez anos, sediado na Zona Leste, mesclando ludicidade e leveza com a força de nossas memórias ancestrais mais afetivas
Por Dib Carneiro Neto
Celebremos. É sempre motivo de celebração ter em cartaz espetáculos de dança para crianças. A forma artística de expressão coreográfica enriquece a capacidade cognitiva das crianças e estimula seu poder de criatividade e seu olhar para o próprio corpo e suas potencialidades. Celebremos ainda mais, pois o grupo em questão faz dez anos e atua na Zona Leste de São Paulo. Essa resiliência artística em áreas periféricas e não oficiais das grandes cidades também deve ser festejada com muita força. E prestigiada por nós.
O espetáculo Casa de Vó, do Coletivo Corpo Aberto, com direção de Verônica Avelar, é uma manifestação de dança-teatro, que tem como público-alvo crianças entre 4 e 10 anos de idade. A pesquisa foi iniciada em 2023 e levou em conta as vivências do elenco e suas memórias ancestrais. Dramaturgia e canções são de André do Amaral e as intérpretes são Jennifer Soares, Thamara Almeida e Patricia Bruschini.

A sinopse é bastante convidativa, inclusive para adultos. Vejam: após a morte da avó, as netas recebem a proposta de uma construtora que pretende demolir a antiga casa para construir um prédio comercial. Decididas a lutar pela preservação, as meninas ocupam a casa da árvore construída no quintal e descobrem um catálogo de folhas que a avó havia compilado. Juntas, relembram momentos da infância e planejam estratégias para finalizar o livro e salvar a casa.
Por que é importante falar com as crianças sobre o abuso do crescimento vertical das cidades? A diretora Verônica Avelar responde prontamente: “Desde o nosso primeiro trabalho para as infâncias, tentamos criar diálogos sobre a realidade a partir da ludicidade. Acreditamos que é possível dialogar sobre mundo e a cidade com todas as fases da infância. Queremos propor que o público observe a relação das crianças com a cidade, e a relação da cidade com as crianças. Quais são os espaços para as infâncias dentro do desenvolvimento urbano? Nossa metáfora de ‘casa de vó’ se refere ao espaço do acolhimento. O quintal sempre disponível para o aconchego. Em contrapartida, as cidades se desenvolvem de modo desenfreado, a especulação imobiliária se fortalece. E crianças e adultos acompanham a demolição de casas para verticalização se expandir”.

“A relação do público ao espetáculo Casa de Vó tem-se estabelecido de maneira fluida”, comenta Verônica. “O espetáculo conversa com as crianças, pois sua estrutura cênica acolhe a experiência do brincar e ao mesmo tempo dialoga com os adultos que possuem memórias com os avós. É bonito e emocionante ver as crianças e adultos se relacionando com o espetáculo.”
Na década em que a companhia já atuou, estabeleceu-se uma marca registrada, que Verônica Avelar nos detalha: “Nossa pesquisa para elaboração cênica considera as especificidades das etapas de desenvolvimento das crianças. Estudamos o desenvolvimento de cada fase. A experiência está no foco das nossas criações e elaborações cênicas. As crianças são convidadas a cocriarem o espetáculo. As cenas são estruturadas para acolher as infâncias em cena. Acredito que essa seja a nossa marca”.

Outro jeito de explicar essa marca perseguida pelo coletivo é dizer que ele promove “o protagonismo da criança”. E Verônica nos explica o que isso quer dizer: “Significa a experiência em relação ao experimento cênico. A pesquisa se fundamenta na interação das infâncias com o experimento cênico. Elaboramos as bordas do contexto, para que as infâncias possam participar dançando, propondo, interagindo a partir das suas necessidades. Nossos espetáculos para as infâncias têm espaços para que elas sejam escutadas e se sintam pertencentes”.
Uma curiosidade é querer saber como tem sido essa aventura resistente de manter um coletivo com esse grau de requinte de pensamento artístico. Sobretudo por estar fora do chamado mainstream, e baseado na Zona Leste. “Nossa pesquisa permeia as observações do território”, ensina Verônica. “Nossos encontros ocorrem em espaços públicos, ocupações, na antiga oficina cultural Alfredo Volpi e no CEU São Pedro. Para nós, é fundamental a elaboração artística descentralizada. A Zona Leste é um território de residência e resistência do Coletivo Corpo Aberto.”
Vida longa. E que as netas consigam salvar a casa da vó da ganância do bicho papão imobiliário. Vamos lá conferir?
Serviço
Casa de Vó
Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195.
Dias 8 e 9 de fevereiro, 16h. Grátis
Sesc Bom Retiro. Alameda Nothmann, 185
Dia 23 de fevereiro, 16h. Grátis
Sesc Bauru. Dia 23 de março, 16h30. Grátis
Sesc Rio Preto. Dia 13 de abril, 15h. Grátis
Espaço Sobrevento. Dias 19 e 20 de abril
Sesc Campo Limpo. R. Nossa Sra. do Bom Conselho, 120.
Dia 27 de abril, 16h. Grátis
Sesc Santana. Av. Luiz Dumont Villares, 579
Dias 14, 21 e 28 de junho, 12h. Grátis
Sesc Birigui. Dia 22 de junho