Sucesso no Festival de Avignon, peça do dramaturgo Sergio Blanco sobre parricídio ganha nova chance em São Paulo
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 15 de abril de 2025)
Na literatura, a autoficção levou aos holofotes em 2023 e 2024 os escritores franceses Annie Ernaux e Édouard Louis. O gênero, que nubla relatos verídicos e elementos inventados, faz sucesso em livros como O Acontecimento e O Lugar, de Ernaux, e Monique se Liberta e Mudar: Método, de Louis, que mostram a ascensão dos autores vindos de classes sociais desfavorecidas.
O dramaturgo uruguaio radicado na França Sergio Blanco persegue tal caminho no teatro desde o começo da década de 2010 e ganhou, pelo menos, duas montagens significativas no Brasil. O monólogo A Ira de Narciso, dirigido por Yara de Novaes e protagonizado por Gilberto Grawronski, e o drama Tebas Land, encenação de Victor Garcia Peralta com os atores Otto Jr. e Robson Torinni, divulgaram no país a habilidade de Blanco para tratar a autoficção em temas como sexo, a morte e a violência.

Depois de uma bem-sucedida temporada no Sesc 24 de Maio em 2019, Tebas Land ganha uma nova chance junto ao público paulistano, desta vez no Teatro Vivo, em apresentações que dão a largada nesta terça, 15. Como em tudo o que Blanco escreve, a leveza é dispensada para focar em uma trama que aborda o parricídio em diferentes planos.
Otto Jr. interpreta um dramaturgo que, inspirado na tragédia grega de Édipo Rei, escreve uma peça sobre as contradições que envolvem Martim (papel de Robson Torinni), um jovem que matou o pai com 21 garfadas. Ele visita regulamente uma penitenciária para entrevistar o assassino e se abastecer de informações. Entre uma conversa e outra, a humanidade do rapaz revela uma vingança alimentada por uma criação marcada pela falta de afeto e diferentes tipos de abusos.

Em paralelo às entrevistas na cadeia, o público acompanha o processo da montagem da peça levantada pelo dramaturgo e diretor que é protagonizada por um ator também representado por Torinni. Garcia Peralta explica que Tebas Land é um espetáculo sustentado por quatro camadas que, aos poucos, são desvendadas para a plateia. “São os encontros no presídio, o processo criativo do diretor, os ensaios com o ator e esse conjunto todo transformado no espetáculo que chega ao espectador”, declara. “É uma peça que fala sobre a cabeça do artista e como a ficção vira uma realidade.”
Tebas Land estreou em novembro de 2018 no Oi Futuro, no Rio de Janeiro, e gerou um frisson imediato, tanto que Otto Jr. recebem o Prêmio Shell de melhor ator. Os intérpretes e o diretor se surpreenderam com os relatos ouvidos logo depois das sessões e precisaram se blindar diante de confissões de violência semelhantes àquelas relatadas na peça. “Eu vejo o Martin como uma vítima da sociedade, afinal a gente cria os monstros para depois matá-los”, afirma Torinni. Para o ator, é fácil condenar os outros quando se foi educado em uma família estruturada e não se viveu violências. “Claro que nada justifica o crime, mas existem pessoas que já nascem sem chances na vida.”

Garcia Peralta observa o permanente diálogo entre a obra de Blanco e o universo das tragédias gregas. Para ele, o herói já nasce com o seu destino traçado e, neste caso, não havia uma outra saída para Martin além do parricídio. “Nos ensaios, a gente se perguntou muito por que ele não escapou dessa vida sem o assassinato, mas, conforme nos aprofundávamos, ficava evidente a vingança”, comenta o diretor. “Foram 21 garfadas, uma para cada ano de uma vida cheia de sofrimento.”
Por pouco, Tebas Land não foi abortado precocemente, como vários trabalhos de sucesso, por conta da pandemia. Depois da temporada paulistana, o ano de 2020 previa uma movimentada agenda inviabilizada pela crise sanitária. Como idealizador e coprodutor, Torinni não se conformou em ver tanto empenho desperdiçado e, em fevereiro de 2024, a peça voltou ao cartaz no Teatro Poeira, no Rio, para o seu grande salto.
Em julho, Tebas Land foi apresentado no Festival de Avignon, na França, durante um mês com sessões lotadas de terças a domingos em uma sala de 170 lugares. O próprio autor, Sergio Blanco, foi um dos entusiastas presentes na plateia. “Representou um amadurecimento como artista e ser humano porque tive a oportunidade de exercitar o teatro como não é mais possível no Brasil”, diz Torinni. “Não faz sentido a gente se preparar um ano e ficar dois meses em cartaz sem que as pessoas possam descobrir o espetáculo.”
De fôlego renovado, Tebas Land viajou pelo Nordeste, volta a São Paulo e deve chegar ao Sul nos próximos meses. Em paralelo, Torinni, em parceria com Garcia Peralta e com o produtor Sérgio Saboya, estreou um outro texto do mesmo Sergio Blanco que, desde outubro de 2022, mobiliza o público. Trata-se do monólogo Tráfico, sobre um garoto de programa transformado em matador de aluguel. “Eu brinco que Tebas Land é uma peça infantil perto de Tráfico, porque essa é realmente muito, muito pesada”, diz o ator.
Tráfico foi montado sem patrocínio e, em sucessivas temporadas no Teatro Poeira, fechou um ano de apresentações lotadas. A meta é viabilizar uma temporada paulistana e excursionar pelo Brasil. “Se eu ficar sujeito aos editais, acabo parado em casa, por isso tenho sempre um projeto debaixo do braço para não depender de ninguém”, afirma o ator pernambucano, de 39 anos, que foi modelo, morou em São Paulo entre 2006 e 2011 e, desde então, vive no Rio.
Garcia Peralta, preocupado com os modos de produção tão subordinados às leis de incentivos, conta que a equipe dos espetáculos organiza um fluxo de caixa para que o trabalho tenha continuidade. Parte do que entra é guardada e as despesas imediatas são saldadas com a movimentação da bilheteria. “Estou frustrado com trabalhos que duram, no máximo, três meses e, desta forma, formamos parcerias para que os espetáculos se mantenham enquanto tiverem público”, diz o diretor, que do mesmo Sergio Blanco, pretende montar Kassandra e começou a estudar Terra, texto inédito no Brasil.
Serviço
Tebas Land
Teatro Vivo. Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2460, Morumbi.
Terça e quarta, 20h. R$ 120
Até 28 de maio (estreia 15 de abril)