Grupo, dirigido por Marcelo Marcus Fonseca, promete movimentar a sede do Bixiga com Plínio Marcos, René de Obaldia e o sambista Branca di Neve
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 29 de maio de 2025)
Fundada em 1996, a Companhia Teatro do Incêndio dá a largada antecipada às comemorações de três décadas de atividades. O coletivo paulistano, criado e dirigido por Marcelo Marcus Fonseca, de 54 anos, estreia uma versão atualizada do espetáculo São Paulo Surrealista neste sábado, dia 31, na sede do grupo, no Bixiga, a primeira de uma série de atividades prometida até o fim de 2026.
Com o subtítulo Corpo Antifascista, a peça reúne 28 artistas no palco, entre atores, atrizes e músicos, para questionar o conservadorismo na metrópole. “Foi um espetáculo que ajustou o rumo da companhia e encerrou a elaboração do que poderia ser uma linguagem para nós”, justifica a escolha Fonseca, responsável pela dramaturgia, direção-geral e autor, junto de Wanderley Martins, das canções que embalam a trilha sonora.

A original São Paulo Surrealista estreou em março de 2012 na casa noturna Madame, espaço da danceteria Madame Satã, ícone da década de 1980, no mesmo Bixiga. As contradições da maior cidade da América do Sul inspiraram a dramaturgia que propõe uma reflexão em torno dos contrastes sociais, homofobia, religiosidade e excessos moralistas que podem até ter ficado mais alarmantes com o tempo. “As peças mudam de sentido, as palavras ganham outros significados e talvez soem mais reveladoras e violentas nos dias de hoje”, comenta o artista. “Afinal, foi depois de 2012 que a turma reacionária saiu do esgoto, alguns chegaram ao poder e passamos a ter uma juventude que não explora o mundo e tem como referência as redes sociais.”
Os vanguardistas Mário de Andrade (interpretado por Josemir Kowalick) e Patrícia Galvão, a Pagu (a atriz Lívia Melo), guiam dois franceses, o dramaturgo Antonin Artaud (papel de André Pottes) e o escritor André Breton (representado por Fonseca) em um passeio turístico por São Paulo. Acostumados à liberalidade europeia de um século atrás, Artaud e Breton ficam impressionados com a precariedade social e a valorização de pensamentos retrógados em uma cidade que julga ser mais evoluída que a realidade e assume um caráter surreal.
Treze anos depois da encenação, Fonseca fez diversas revisões ao original e, entre outras alterações, textos mais agressivos de Artaud entraram para o espetáculo, assim como os diálogos entre o dramaturgo e Breton foram recriados. As críticas sobre a especulação imobiliária estão mais ferozes, uma homenagem ao cantor Ney Matogrosso é proferida por Kowalick na pele de Mário de Andrade e a imagem da artista plástica mexicana Frida Kahlo, que odiava ser chamada de surrealista, abre a montagem.

Em uma das passagens mais ousadas, é proposta a pausa do espetáculo por um minuto para que todos aqueles que sentirem vontade, tanto no palco como na plateia, possam beijar quem estiver por perto. “Eu não acredito que o público mais conservador vá ver a peça, mas o nosso papel é oferecer a quem se interessar um exercício de imaginação porque está cada vez mais difícil fazer as pessoas enxergarem, visualizarem as coisas”, declara o diretor.
A primeira provocação de São Paulo Surrealista – Corpo Antifascista começa antes mesmo de o público deixar a sua casa. Os espectadores devem assistir ao espetáculo fantasiados. “Não é uma sugestão, é uma obrigação”, avisa o encenador. Quem preferir chegar ao teatro à paisana, deverá compor o visual com figurinos expostos em araras que estarão disponíveis na sala de espera. Fantasias de pierrô, malandro, colombina ou, simplesmente, capas ou plumas estão entre as opções. “O objetivo do meu teatro é tirar as pessoas do senso comum da vida”, diz Fonseca. “Sugiro imagens, audições, passeios pela memória como forma de seduzir o público e romper com verdades excessivas que tanto vemos hoje em dia em peças discursivas.”
São Paulo Surrealista é o primeiro de vários trabalhos marcantes do Teatro do Incêndio que serão retomados em forma de mostra de repertório. Baal – O Mito da Carne, de Bertolt Brecht, ponto seminal do grupo, lançado em janeiro de 1996, ganha reedição no começo de janeiro. É possível que o ator Elcio Nogueira Seixas e a atriz Carolina Gonzalez, presentes na primeira versão, estejam novamente no trabalho. Beatriz Cenci, de Antonin Artaud, de 2000, é outro título que ganhará remontagem.

Mas nem só o caráter revisionista marcará os próximos projetos do Teatro do Incêndio. Clássico de Plínio Marcos (1935-1999), a peça Dois Perdidos numa Noite Suja estreia em setembro para celebrar os 90 anos do dramaturgo e contará com Fonseca e André Pottes nos papeis de Tonho e Paco, dois sujeitos que entram em conflito por causa de um par de sapatos. “Foi a primeira peça que li na vida, aos 13 anos, em um curso de teatro”, conta Fonseca. “A incapacidade desses dois personagens de se entenderem um ao outro tem tudo a ver com a nossa dificuldade de comunicação nos dias de hoje.”
Em novembro, o inédito Vocês não Entenderam Nada, díptico formado pelas peças A Baby Sitter e O Classe Terminale, do francês René de Obaldia (1918-2022), entra em cartaz na sede do grupo. Ainda em busca de apoio, um projeto mais ambicioso quer ganhar a cena em 2026. Trata-se do musical Branca Mete Bronca, uma homenagem ao Branca di Neve, o sambista Nelson Fernando de Moraes (1951-1989), cantor, compositor, percussionista e integrante da escola Vai-Vai. “Eu não consigo dirigir uma peça igual a outra porque cada texto me sugere visões diferentes”, diz Fonseca. “Rejeito qualquer coisa que me engesse e luto para não ter o lugar da certeza.”
Serviço
São Paulo Surrealista – Corpo Antifascista
Companhia do Teatro do Incêndio. Rua Treze de Maio, 48, Bela Vista.
Sábado e domingo, 20h. R$ 60
Até 15 de junho (estreia 31 de maio)