O primeiro dos três espetáculos – “Curtume” – traça a trajetória de uma mulher desde a infância até a velhice, por meio de um expediente trágico que busca romper com a estrutura patriarcal de opressão
Da Redação Canal Teatro MF
Apesar dos avanços no que diz respeito à equidade de gênero, o mundo ainda assiste a quadros de abuso, misoginia, preconceito, machismo, assédio, incesto e pedofilia, entre outras questões que afetam diretamente as mulheres em suas famílias, nos locais de trabalho e na vida como um todo.
Diante disso, a atriz Ester Laccava vê no teatro uma forma de olhar e dialogar com essas questões. Tendo como premissa o que ela chama questões urgentes sobre o feminismo, a atriz e diretora reuniu em uma trilogia três espetáculos em uma Mostra cujo nome não poderia ser outro. Grito de Mulher reúne os seus solos Curtume, Dias Secos e Ossada que farão uma circulação pela cidade de são Paulo.

Agora em fevereiro poderemos acompanhar o primeiro deles no Teatro Cacilda Becker, com 12 sessões gratuitas. Em Curtume – Dias Secos Inundados de Acácia, do dramaturgo Denizart Fazio, acompanha-se uma idosa que recebe um policial em sua casa para investigar a morte do dono de um curtume, que foi encontrado sem pele. A partir daí, acompanhamos a trajetória desta mulher, marcada por movimentos articulados em deslocamentos temporais que a definem.
Na infância, vê-se uma criança desenhando em um latão de metal, em uma espécie de rito iniciático da tragédia que ela irá empreender. No movimento seguinte, intitulado pelo dramaturgo de “Aprender a andar sobre cacos de vidro”, ela já está adulta com seis filhos, envolvida em empregos precários e angustiada diante da impossibilidade de constituição de uma vida digna. E num terceiro movimento ela, já idosa, narra histórias para a sua neta enquanto a ensina a costurar uma sandália de couro, espécie de costura da própria história da velha e de sua neta.
O enlace temporal com a neta aponta para o rompimento da cadeia de acontecimentos opressores que se perpetuam a séculos em um efeito trágico na constituição de uma vingança arquetípica daquela mulher. Há outros personagens, todos homens, que aparecem apenas pela narrativa da mulher, procedimento comum nas narrativas orais, que ao ser levado ao teatro confere um efeito de estranhamento épico que nos ajuda a acompanhar e nos engajar naquela trajetória de vida.

“O texto épico do Denizart é uma identificação imediata, poética e trágica da vida desigual que vivemos no nosso país. Salta nas nossas entranhas, projeta com rigor o abismo dos excluídos, que quando testados, mostram-se heróis com musculatura e conhecedores dessa causa vergonhosa: a sobrevivência.”, arremata a atriz que justifica essa trilogia dizendo que ainda sofre de misoginia e machismo. “Ainda bem que estou formada porque assim fico firme. Grito de Mulher é um grito meu. Vou existir no que escolhi. Vou berrar para a sociedade que tenho coisas importantes para falar, questões que nos afogam como mulher”, completa Ester.
Serviço
Curtume – Dias Secos Inundados de Acácia
Teatro Cacilda Becker. Rua Tito, 295. Lapa
Sexta a sábado, 21h. Domingo, 19h. Gratuito.
Até 9 de março (estreia em 14 de fevereiro)