Grupo Manás Laboratório de Dramaturgia ironiza com o que está soterrado entre os edifícios que não param de ser construídos
Por Redação Canal Teatro MF
A especulação imobiliária em grandes cidades, especialmente São Paulo, normalmente inspiram dramas na arte. Mas é possível também ser crítico por meio do riso. É o que comprova Por um Pingo, peça que une suspense, sarcasmo e toques de absurdo, e que estreia na Sala Jardel Filho do Centro Cultural São Paulo.
Escrito por Dante Passarelli, o texto interpretado pelo Manás Laboratório de Dramaturgia conta a história de um casal que aguarda a visita de um corretor de imóveis em seu apartamento. Mas, quando surge uma mancha de mofo no teto, um vazamento de água parece iminente. A misteriosa vinda de um trabalhador para consertar o teto revela o que está escondido nas paredes do edifício.
“A peça começa justamente com uma mancha no teto, assim como aconteceu na minha casa. A partir disso, desenvolvi a história e usei a metáfora do crescimento da mancha como reflexo do interior das personagens em relação à cidade e ao que está soterrado entre os edifícios que não param de ser construídos, algo sempre pingando e expandindo”, comenta Passarelli, também diretor da peça em parceria com Fernanda Zancopé.
Como distorcer a realidade por meio do humor e do fantástico muitas vezes é o melhor caminho para se passar uma mensagem, Por um Pingo leva para a cena o debate sobre o direito à cidade e os efeitos psicológicos de tamanha hostilidade nos indivíduos e suas relações. Para isso, o texto colhe inspirações em elementos da tragédia Hamlet, de William Shakespeare, do filho que busca vingar o pai, assim como uma das personagens da peça.
Também os filmes de Alfred Hitchcock, que sabia equilibrar suspense e humor, são fonte de inspiração. Aliás, a orientação em técnicas de comédia foi fornecida pelo ator e diretor especializado em circo-teatro Fernando Neves.
A direção de arte dialoga diretamente com o cinema. O cenário, um apartamento sem móveis, aposta na ilusão de ótica para criar estranhamentos na plateia e traz imagens de câmeras de segurança com novas perspectivas de cena. Já o figurino aposta na decadência e na distorção de proporções com materiais que rementem ao elemento água.
“No espetáculo, questionamos paradigmas sobre a nossa sociedade, estruturada em sua origem a partir de interesses mercadológicos, individualistas, anti sustentáveis, de consumo descontrolado, que têm consequências violentas para a maneira como as pessoas convivem na cidade. A paranoia das pessoas nesses grandes centros urbanos e o medo do invisível também estão presentes”, pontua Fernanda Zancopé.
“Nosso desejo é examinar o microcosmo das personagens em conexão com a história da cidade tratada como produto comerciável, por isso a mancha cresce sem controle o que leva as personagens ao auge da paranoia. São heranças aparentemente particulares, mas que se amplificam para o campo social e político”, completa Passarelli. “A peça leva para a cena o debate sobre o direito à cidade e os efeitos psicológicos de tamanha hostilidade nos indivíduos e suas relações.”
Contemplado pelo 18º Prêmio Zé Renato da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e menção honrosa no 31º Programa Nascente, tradicional concurso artístico da Universidade de São Paulo, o espetáculo tem no elenco Ana Paula Lopez, Cris Lozano, Ernani Sanchez e Fernando Aveiro.
Serviço
Por um Pingo
Centro Cultural São Paulo. Sala Jardel Filho. Rua Vergueiro, 1000 (próximo à estação Vergueiro do metrô). Telefone: (11) 3397-4002.
Terça a quinta-feira, 20h (sessões extras dias 19 e 26 de junho, quarta-feira, 17h).
Ingresso gratuito – retirar na bilheteria do CCSP
Até 27 de junho