O espetáculo da Cia. Artera, pensado em 2018 e lançado virtualmente três anos depois, ganha nova versão para estreia presencial em temporada gratuita
Por Dirceu Alves Jr.
Monstro, montagem da Cia. Artera que estreia nesta sexta, 6, na SP Escola de Teatro – Unidade Roosevelt, é um exemplo de espetáculo capaz de se adaptar aos imprevistos do tempo. O projeto dos atores, diretores e dramaturgos Davi Reis e Ricardo Corrêa, sobre adoção homoafetiva e intolerância, começou a ser pensado em 2018 e, no ano seguinte, com uma dramaturgia desenhada, ganhou leituras que dariam o pontapé na formatação da peça. Eram quatro personagens, um casal homossexual e outro heterossexual, às voltas com a intenção de ter filhos. O primeiro entrava com um processo de adoção e o segundo, diante da inesperada dificuldade de engravidar, recorria ao mesmo sistema.
Em março de 2020, o mundo parou por causa da pandemia e o que veio depois todo mundo sabe. Reis e Corrêa, naquela altura, tinham uma temporada fechada para trazer a história ao público e, trancados em casa, voltaram para a estaca zero – ou quase. Como autor, Ricardo Corrêa transformou a peça em um monólogo que, sob a direção de Davi Reis, cumpriu apresentações on-line no site do Teatro Sérgio Cardoso em 2021 e recebeu indicação ao prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor espetáculo digital do ano. “Eu acho que esse foco na adoção homoafetiva rendeu uma síntese mais potente do que a ideia inicial do contraponto entre os dois casais”, diz o diretor.
O que pode ser visto, agora, na SP Escola de Teatro, é uma terceira versão que, nas mãos da dupla de artistas, ganhou uma nova concepção, para, enfim, ser vista presencialmente pelo espectador. “Vivemos vários processos dentro de um e, em meio às diferentes investigações de caminhos, surgiram muitas dúvidas e chegamos a um outro resultado”, conta Reis. “Nossa única certeza era a de que não iríamos reproduzir o vídeo no palco.”
Léo (interpretado por Corrêa) é professor em uma escola de natação, vive um relacionamento estável com seu companheiro há 10 anos e decide colocar em prática o desejo de ser pai. Em um trabalho voluntário para menores carentes, ele enxergou um garoto, teve certeza de que aquele era o seu filho e deu início ao processo burocrático, que corria bem até um incidente profissional complicar os planos. Em uma de suas aulas, um aluno de 7 anos o chama de gay, e o professor resolve ter uma conversa franca com a turma sobre o significado de ser gay – o que revolta parte dos pais e mães da escola de natação.
Monstro começou a ser gerado em 2018, quando uma forte onda conservadora se manifestava no país, o que impulsionou a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro. “O momento político e social mudou um pouco, mas o espetáculo continua bastante atual, porque, apesar de termos um novo governo, a bancada do Congresso Nacional é extremamente retrógrada e tudo parece fantasiado de uma outra forma”, define Reis. Corrêa completa que, apesar de uma certa evolução, os direitos conquistados pela comunidade LGBTQIAP+ vivem em permanente ameaça e qualquer implicação política ou religiosa pode detonar novas ações discriminatórias. “Essa intimidação junto aos corpos minoritários, infelizmente, não muda”, justifica o artista.
Durante o processo de criação de Monstro, Reis e Corrêa conversaram com casais homoafetivos que venceram burocracias até obter a guarda dos filhos, além de psicólogos e advogados especialistas em adoção. As entrevistas deram origem ao documentário Monstro Também Tem Sentimento, que se encontra disponível no Youtube. “Como não somos pais, muita coisa a gente desconhecia e foi importante levantar o que envolve o processo, os cursos preparatórios e até a investigação sofrida pelo candidato”, declara Reis.
Fundada há 21 anos, a Cia. Artera de Teatro pesquisa a temática LGBTQIAP+. Coração Dark Room, Não Conte a Ninguém, Bug Chaser, Coração Purpurinado e Bichados, montado no ano passado, são espetáculos que abordaram sob diferentes enfoques questões relacionadas à sexualidade, comportamento e preconceito.
Além de Monstro, durante a pandemia, Corrêa e Reis criaram uma outra experiência on-line, CAM, peça interativa transmitida pelo Instagram que mostrava um rapaz (interpretado por Reis) que se despe diante do vídeo enquanto espera a resposta de um teste para um reality show. O próximo projeto, em fase de pesquisa, é uma dramaturgia sobre refugiados LGBTQIAP+. “São 20 anos de muito trabalho e persistência para trazer questões importantes à tona e acredito que, de certa forma, nós nos tornamos referência para muita gente”, reconhece Corrêa.
Serviço
Monstro
SP Escola de Teatro – Unidade Roosevelt. Praça Franklin Roosevelt, 210, Consolação.
Sexta e sábado, 20h30; domingos, 18h. Grátis. Reservas somente pela internet no site Sympla SP Escola de Teatro.
Até 29 de setembro (estreia 6 de setembro)