O ator conversou com o Canal MF sobre o sucesso do espetáculo, que agora provoca reação mais empoderada da plateia feminina
Por Fabiana Seragusa
O que faz um espetáculo ficar anos e anos em cartaz, sempre com teatros lotados e aplausos calorosos do público? No caso de Intimidade Indecente, Marcos Caruso acredita que a “fidelidade ao amor” retratada na peça seja o principal motivo de conexão com a plateia, especialmente pelo fato de os dois atores não saírem de cena em nenhum momento e envelhecerem por 40 anos no palco, à vista de todos.
“Sem nenhum truque de maquiagem, de figurino, apenas com a interpretação e com o envelhecimento mais interno do que externo”, diz o ator, que reestreia a produção no Teatro Renaissance, em São Paulo, ao lado da atriz Eliane Giardini.
“Em nenhum momento, os atores caem em uma caricatura que faz o público se distanciar daquele envelhecimento, que também é o envelhecimento da plateia. É como se um filme de uma vida inteira se passasse em apenas 1 hora e 30 minutos de espetáculo – e você visse o seu próprio envelhecimento, no sentido da sua trajetória de vida.”
Escrita por Leilah Assumpção e dirigida por Guilherme Leme Garcia, a comédia “Intimidade Indecente” estreou em 2001 e permaneceu em cartaz até 2005, retornando em 2019 para uma temporada especial em Portugal – que lotou teatros em Lisboa e em outras cidades do país por quase três meses. Após a pausa provocada pela pandemia, reestreou em 2022 com o mesmo sucesso no Brasil, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, para onde volta agora.
Mesmo texto, 22 anos depois
A peça mostra a relação entre Mariano e Roberta, que têm por volta de 60 anos de idade e acabam se separando. A rotina de brigas, falta de motivação e implicância, que diverte a plateia ao provocar identificação imediata, se dissolve ao longo das décadas seguintes, sempre que os dois se reencontram e percebem que a sintonia forte e sólida entre eles se mantém mais viva do que nunca.
Segundo Caruso, o texto é exatamente o mesmo de 22 anos atrás, ao abordar temas como amor, sexo, ciúmes, solidão, preconceito e companheirismo. “Mas o público faz com que a peça se atualize”, explica. “O meu personagem era e é machista, no texto, e, na época que a peça estreou, ele era aplaudido pelos homens. Hoje, dando as mesmas falas que eu dava, ele é vaiado pelas mulheres.”
E completa citando outras mudanças na reação da plateia. “Assim como o personagem da mulher, que tinha um certo preconceito em relação ao público feminino, hoje é aplaudido pelo público feminino. E o público masculino, que se incomodava, não se incomoda mais. Então a peça, nesse sentido, se torna clássica, porque ela consegue superar as décadas e continuar sempre atual.”
Vale lembrar que Caruso integra o elenco do espetáculo desde sempre, e que o papel de seu par romântico já foi interpretado por nomes como Irene Ravache e Vera Holtz – Eliane Giardini entrou para a produção em 2022.
Pelo fato de ser uma comédia, a experiência com o texto, o talento inerente e a afinidade com o parceiro de cena podem fazer toda a diferença, criando vínculos específicos com cada plateia. “A conexão com o público é muito mais imediata na comédia do que no drama, na medida em que você recebe, através do riso, um feedback imediato. Você sabe que a tua piada funcionou, você sabe que você fez o público rir através daquela pausa ou daquela forma como você falou naquele dia”, detalha Caruso.
“O público muda, mas os atores também mudam. Todos nós estamos em constante mutação. Então, uma piada, que hoje funciona, amanhã pode não funcionar, porque eu dei uma pausa errada ou dei um tempo errado ou não fiz uma ‘escada’ suficientemente boa pra minha colega ou ela não fez pra mim. Assim como o público da quarta-feira é diferente do público da quinta, do sábado, do domingo. São plateias diferentes que também absorvem o espetáculo de forma diferente”, completa.
Conexão com o exterior
Além de já ter realizado turnê por Portugal com Intimidade Indecente, que conta com produção da portuguesa Plano 6 e da brasileira Bem Legal Produções, Marcos Caruso já teve quatro de seus textos montados por lá, incluindo Trair e Coçar É Só Começar, em cartaz atualmente. Seu texto Porca Miséria, escrito ao lado de Jandira Martini, também já cruzou a fronteira e ganhou os palcos da Argentina – país para o qual está traduzindo alguns de seus outros textos.
“Mas eu acho que nós temos uma via não de mão dupla, mas de uma mão muito mais de lá pra cá do que daqui pra lá, em relação a essa troca de textos ou de encenadores, atores, figurinistas, cenógrafos que possam trabalhar no exterior”, avalia. O artista diz que muitos autores brasileiros são traduzidos e montados fora do país, como Juca de Oliveira, Miguel Falabella e a própria Leilah Assumpção, mas que há espaço para mais.
Teatro hoje no Brasil
“Acho que temos autores que não falam apenas de uma realidade brasileira, mas de uma realidade universal, que poderiam muito bem ser traduzidos para outras línguas. Temos muito mais a dar do que temos dado. E temos muito a receber também. Porque estamos em um país onde se produz muito teatro, onde tem público para teatro e onde o autor americano, inglês, francês, italiano é muito bem-vindo, mas sinto que precisamos exportar mais do que exportamos atualmente.”
Em relação ao momento teatral no Brasil, Caruso ressalta que o mercado está sempre em crescente evolução, tanto em qualidade e quantidade quanto em termos artísticos e criativos, mas que cada país tem sua crise específica. “O teatro é uma arte ao vivo que só funciona com o público. Então, as crises vêm e nós as superamos, porque nós estaremos sempre no palco, e o público sempre estará na plateia, às vezes menos, às vezes mais. Às vezes com menos intensidade, às vezes com menos qualidade, às vezes com menos quantidade, dependendo, obviamente, das pessoas que apoiam a cultura”, afirma.
“E aí, caímos no apoio, ou privado, de pessoas que são sensíveis à cultura e a auxiliam através de suas leis, e também o apoio público, que pode ser um poder que está interessado em fomentar a cultura que, além de gerar prazer, entretenimento, informação e formação, gera também muito emprego. Passamos por anos terríveis. Os últimos quatro anos foram terríveis para a cultura. Estamos agora retomando o espaço que perdemos e, se Deus quiser, vamos (conseguir), porque sempre temos esperança”, avalia Caruso. “O brasileiro é um povo esperançoso, e o artista, muito mais. Temos esperança e temos motivo para ter esperança, em um presente e também em um futuro que está se avizinhando.”
Serviço
“Intimidade Indecente
Teatro Renaissance.
Alameda Santos, 2.233, Jardim Paulista, São Paulo
Temporada até 29/10.
Sáb. (19h e 21h) e dom. (17h). 90 min. 14 anos. R$ 140.