O melhor do teatro está aqui

A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Luciana Carnieli interpreta a francesa Sarah Bernhardt sem deixar de ser ela mesma

Sinopse

Atriz protagoniza solo, dirigido por Elias Andreato, que contrapõe arte e comportamento em épocas distintas

Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 25 de abril de 2025)

A atriz e dramaturga paulistana Luciana Carnieli, de 51 anos, dialoga de tempos em tempos com estrelas que habitam o imaginário popular. Ela, que, em 1994, foi a cantora Marlene (1922-2014) na peça As Favoritas do Rádio, e, em 2007, deu corpo e voz à atriz Cacilda Becker (1921-1969) no monólogo Meu Abajur de Injeção, se arrisca em um novo solo, tendo como referência a diva francesa Sarah Bernhardt (1844-1923).

Sob a direção de Elias Andreato, Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt é um texto assinado por Luciana, assim como os outros. O primeiro, focado na rivalidade entre Marlene e Emilinha Borba (1923-2005), foi criado em parceria com a atriz Andréa Bassit e a diretora Regina Galdino, e o segundo, sobre Cacilda, nasceu de sua lavra individual. “São três momentos distintos, porque, em A Favorita do Rádio, a intenção era falar dessa mídia nas décadas de 1940 e 1950 e, quando escrevi Meu Abajur de Injeção, era uma jovem com uma admiração cega por Cacilda e um entendimento pronto sobre o assunto”, explica. 

Luciana Carnieli em Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt. Foto João Caldas Fº

Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt, que estreia em quatro sessões neste sábado e domingo no Espaço Arena B3, no centro histórico, nasceu do zero ou, melhor, do desconhecimento de Luciana sobre a estrela francesa. “Imagina aquelas pessoas que você ouve falar a vida toda e não sabe absolutamente nada?”, conta. Em maio do ano passado, ela foi atrás de uma biografia de Sarah para suprir a própria ignorância e, curiosa, começou a ler outros livros. O faro da artista apontou que a personagem renderia um novo trabalho.

Os seis meses seguintes foram de pesquisas em livros, vídeos, tudo o que poderia trazer alguma informação sobre Sarah, e, nas duas semanas entre Natal e Ano-Novo, o texto saltou da sua cabeça direto para o computador. “Eu percebi que me emocionava com passagens da sua vida, ria muito em outras, e me envolvia sem perder um olhar crítico, bem diferente do processo com a Cacilda”, declara. “Entendi que a vida dela atingia outras camadas, relações amorosas traumáticas, maridos agressivos, passarem-se mais de 100 anos e as mulheres enfrentam as mesmas violências.”

Luciana Carnieli em outro momento de Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt. Foto João Caldas Fº

Esta é a resposta para uma pergunta que Luciana ouviu de vários amigos quando narrava seu mergulho no universo de Sarah Bernhardt. “Por que falar de uma estrela francesa que viveu há mais de um século quando o teatro brasileiro está voltado para as temáticas sociais e políticas?”, indagava a maioria. A artista refletia e devolvia o questionamento: “Mas será que o mundo mudou tanto ou muita coisa continua igual?”. A certeza de Luciana é que uma atriz não pode se esquecer da máscara, da personagem, porque só assim o público se projeta no artista e fica estabelecida a empatia. “Sarah foi uma mulher singular, que veio do submundo, se transformou em uma estrela e, com um grande tino comercial, se impôs no teatro, vendeu muito bem seu talento e sua imagem”, justifica.

O monólogo, porém, passa longe de um tributo e, com a intenção de reforçar a contemporaneidade, Luciana e Andreato colocam em cena uma artista do século 21 que abraça o desafio de representar Sarah Bernhardt. O palco quase nu ostenta uma arara com os figurinos, uma pequena mesa e uma cadeira. A protagonista não usa roupas de época, e o diálogo com a plateia é costurado por intervenções biográficas quando Luciana se assume como Sarah. “Para interpretar Marlene e Cacilda, fui atrás de um gestual, dos vídeos, das fotos, de registros que, por mais escassos, revelam o jeito das artistas”, lembra. “Em relação à Sarah, não temos nada, e o Elias me colocou em um lugar de intérprete que nunca estive porque preciso convencer o público de que sou ela com um figurino contemporâneo.”

Especialista em monólogos, Andreato define Luciana como alguém que sabe que ser atriz não é apenas interpretar personagens, mas resistir à precariedade, à invisibilidade e à falta de apoio que marca a trajetória dos profissionais, especialmente as mulheres. O diretor, porém, elogia ao garantir que a atriz nunca romantiza estas dificuldades e, por isso, não recua. “Se a artista do século 19 se escondia sob pseudônimos e ficava restrita a certos papéis, a de hoje ainda precisa justificar sua existência em ambientes machistas e, mesmo reconhecida, enfrenta julgamentos baseados em gênero e não em talento”, compara. “Luciana tem disciplina, compreensão e isto é um gesto político.”

Luciana Carnieli é dirigida por Elias Andreato em Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt. Foto João Caldas Fº

Apesar da admiração mútua, Luciana e Andreato só trabalharam juntos no ano passado, no espetáculo Primeiro Hamlet, dirigido por Gabriel Villela. A peça foi ensaiada por quatro meses e, por mais que a temporada tenha durado pouco mais de um mês, o carinho entre os dois mostrou que seria possível avançar para uma parceria profissional. 

Na virada do ano, assim que terminou a dramaturgia, foi para Andreato que a autora mandou a primeira versão de Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt em busca de opiniões. A segunda cópia, também sem qualquer intenção profissional, bateu na caixa de mensagens de outro amigo, o maestro João Maurício Galindo. Os dois, incorporados naturalmente à equipe, começaram as conversas, e Galindo montou a trilha sonora formada por compositoras contemporâneas de Sarah, como as francesas Lili Boulanger (1893-1918) e Cécile Chaminade (1857-1944). “Estas mulheres ficaram escondidas, apagadas e não sabemos nada sobre as suas obras”, afirma Luciana. “Por isso é importante um espetáculo sobre personagens femininas desta época e, depois destas quatro apresentações, com nosso bloco na rua, queremos fechar várias temporadas para mostrá-las por aí.”   

Serviço

Uma Rapsódia para Sarah Bernhardt

Arena B3. Praça Antônio Prado, 48, centro

Sábado, 26/4, e domingo, 27/4m 14h30 e 17h. R$ 10      

[acf_release]
[acf_link_para_comprar]

Ficha Técnica

[acf_ficha_tecnica]

Serviço

[acf_servico]