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Explosão de violência e ternura consagra ‘Tom na Fazenda’ no Brasil e no exterior

Sinopse

Peça produzida e interpretada por Armando Babaioff está em cartaz no Teatro Faap e já tem nova turnê de 4 meses pela Europa em 2024

Por Fabiana Seragusa

Dilma Rousseff ainda era presidente do Brasil quando a peça Tom na Fazenda começou a ganhar forma nos primeiros ensaios. Ela foi retirada do cargo, Michel Temer tomou seu lugar, Jair Bolsonaro assumiu o poder, e agora, com Lula em seu terceiro mandato, o espetáculo continua em cartaz mais forte do que nunca, retratando um país cheio de falhas, potências e peculiaridades.

“Essa revolução acontecendo e a gente em cena”, ressalta Armando Babaioff, idealizador, tradutor e ator da peça, que reestreou em São Paulo, agora no Teatro Faap. “Renata Carvalho sofreu censura no FIG, Wagner Schwartz foi atacado e ameaçado, nós sofremos censura numa temporada, isso tudo acontecendo e Tom na Fazenda em cartaz, absorvendo tudo isso, absorvendo discussões da sociedade.”

Escrito pelo dramaturgo canadense Michel Marc Bouchard, o texto fala sobre um publicitário, chamado Tom, que vai até a fazenda da família de seu companheiro, que acabou de morrer, para seu funeral – e chegando lá percebe que ninguém sabia desse relacionamento e nem que o rapaz era gay. Essa é a sinopse oficial. Mas a versão brasileira, com direção assinada por Rodrigo Portella, inclui várias outras camadas dramáticas nessa história, abrindo espaço para novas percepções e para temas que se conectam com a realidade brasileira, como só o teatro é capaz de fazer.

Armando Babaioff, Camila Nhary e Gustavo Rodrigues, cena de Tom na Fazenda. Foto Brunno Martins

“Quando nós fomos para a sala de ensaio, eu achava que o tema central da peça era homofobia, mas com o passar das apresentações eu olho pro que faço hoje e reconheço o ator que eu sou e que não sou mais”, diz Babaioff. “Eu mudei, e, se eu mudei ao longo desses seis anos, a peça também muda. Hoje eu olho pra esse grande cenário da Aurora dos Campos e consigo enxergar nele, nessa fazenda criada, cenografada, a representação das fazendas do Brasil, da memória afetiva ao agronegócio, a exploração, o nosso histórico de colonização, desse lugar operado por homens. Hoje eu olho pra peça e enxergo essa grande lona como uma representação simbólica do patriarcado. Eu envelheci, a peça não, ela continua dialogando com o instante.”

No elenco desta temporada de Tom na Fazenda também estão Soraya Ravenle, Gustavo Rodrigues e Camila Nhary.

Público fiel

Babaioff conta que chegou ao texto de Michel Marc Bouchard em 2014, por indicação de um amigo cinéfilo, Egídio La Pasta Jr., que havia visto o filme baseado da peça. No mesmo dia, ele achou a obra na internet. “Quando fechei o livro, eu já tinha a ficha técnica na minha cabeça.”

Hoje, com várias premiações no currículo (como APCA, Shell, Cesgranrio e Associação de Críticos de Teatro de Québec), o espetáculo já acumula cerca de 300 apresentações pelo mundo e mais de 45 mil espectadores. Muitos deles, aliás, repetem a sessão várias vezes. “Tem realmente essa coisa curiosa de as pessoas assistirem à peça mais de uma vez. Um rapaz do Rio de Janeiro viu 12 vezes; em São Paulo, um outro viu 7 vezes, outra menina viu 5, eu não sei explicar”, conta o artista.

Armando Babaioff e Gustavo Rodrigues, em cena de ‘Tom na Fazenda’. Foto Brunno Martins

“Mesmo depois desse anos, eu acho que eu ainda não alcancei a total compreensão desse trabalho e nem os caminhos diversos que ele percorre para chegar em cada um ou de quanto ele é intenso para a maior parte dos espectadores. Mas ele chega, ele comunica, é o poder do teatro.”

Passagem pela França

O “boom” de Tom na Fazenda aconteceu em março deste ano durante a temporada histórica realizada no Théâtre Paris-Villette, na capital francesa. Foram 24 sessões lotadas, com ingressos esgotados com muita antecedência, datas extras e cerca de 5.500 espectadores por lá, além de reportagens de destaque em jornais aclamados, como Le Monde e Libération.

Mas a projeção internacional começou em 2022, com a participação da peça no Festival d’Avignon, também na França. O evento foi fundado em 1947 e funciona como uma feira de negócios, tendo reunido nesta última edição mais de 1.700 espetáculos de diversos países, ao longo de quatro semanas. “São comercializados 6 milhões de ingressos”, conta Babaioff. “Isso fomenta a economia local (bares, restaurantes, hotéis, turismo em busca de teatro), e as companhias, como nós, ainda saem de lá com contatos com os possíveis próximos contratantes, que pertencem, a grande maioria, a redes de teatros da França e de países que copiaram o modelo de economia francês, como a Suíça e a Bélgica, isso pra citar dois países por onde iremos passar em nossa turnê em 2024.”

O ator foi quem decidiu bancar a participação neste evento, apostando na força do projeto. “Foi um investimento pessoal na tentativa de fazer um espetáculo ser visto e comercializá-lo para teatros da Europa, ou seja, fomos pra uma feira de teatro, vender teatro. Eu aprendi muito com essa experiência, esse choque cultural.”

Gustavo Rodrigues e Armando Babaioff, em cena de Tom na Fazenda. Foto Brunno Martins

E essas novas conexões fizeram com que Babaioff se debruçasse ainda mais sobre a realidade do mercado teatral no Brasil. “Ninguém investe em cultura, isso pra mim ficou muito claro quando fomos pro festival de Avignon. Precisamos investir nos teatros de todo território brasileiro, reformular todo um pensamento, reformar e inaugurar teatros, conectar esses teatros às companhias locais, colocar curadores engajados, preocupados com a qualidade da artística da programação, conectar os teatros à comunidade, criar e fomentar plateia, centralizar parte da verba da cultura para a manutenção desses teatros e a contratação de espetáculos que irão compor a programação de cada ano e eventos. Mas nada adianta se não tivermos público.”

E aproveita para citar uma experiência pessoal, que resume bem a importância do contato com o teatro e com a cultura em geral desde a infância. “É necessária a criação de uma política pública, que seja reinserindo teatro na base curricular das crianças, como foi comigo na Escola Municipal Pio X em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. A escola tinha um teatro. Que se construam teatros em escolas, então, para que as crianças tenham aula de teatro. Eu não gostava de jogar futebol, mas eu jogava, porque os meninos que jogavam futebol também faziam teatro”, conta.

“Pensar em criar público também faz parte da economia criativa, e tudo precisa acontecer ao mesmo tempo para que funcione – e também pensar em paralelo, e isso é muito importante e que não é discutido, que é o processo de internacionalização do teatro brasileiro. Teatro gera emprego.”

Turnê europeia

Os frutos do Festival d’Avignon continuam a ser colhidos. A equipe de Tom na Fazenda vai começar 2024 na Europa, com 47 apresentações já agendadas por diversos países durante quatro meses, de janeiro a maio. “Vamos nos apresentar em Paris de novo, no teatro Jacques Chirac. A configuração do palco é completamente diferente de tudo onde a gente já se apresentou, ele é um teatro em “U” e tem plateia dos dois lados, então vai no mínimo ser curiosa a experiência.”

Além da França, o espetáculo vai passar, ainda, por cidades de Suíça, Marrocos, Portugal e Bélgica – a passagem por esse último será muito importante para a história da peça, segundo Babaioff. “Vamos nos apresentar no Teatro Nacional de Bruxelas, que é um dos expoentes do teatro contemporâneo na Europa, uma temporada de uma semana, é excitante demais.”

Com tanto evento na agenda, o artista ainda gostaria de colocar em prática uma série de outros projetos: quer dirigir uma peça (“adoraria que fosse um texto de Michael Marc Bouchard“), produzir um longa, escrever um seriado e, antes disso tudo, escrever e fazer um monólogo como ator. “A verdade é que eu sei o que eu quero fazer, eu só não sei se tenho tempo para fazer.” Mas há alguma previsão para o monólogo? “Quando ele quiser. Agora é construir com prazer e sem pressa, enquanto Tom na Fazenda gira, eu vou criando.”

Serviço

Tom na Fazenda

Teatro Faap. Rua Alagoas, 903

Quartas e quintas, 20h. R$ 120

Até 28 de setembro

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Ficha Técnica

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Serviço

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