O ator Rafael Costa usa a experiência como psicanalista em monólogo dirigido por Donizeti Mazonas que estreia no Sesc Ipiranga
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 14 de maio de 2025)
Um homem caminha em uma esteira na velocidade contínua de 2,5 quilômetros por hora ao longo de 50 minutos. Ao seu lado, quatro torres de papéis servem para projeções e dois ventiladores, inevitavelmente, na circulação do ar, reconfiguram o cenário.
Quem anda pelo equipamento rolante é o ator e psicanalista Rafael Costa, de 37 anos, protagonista do monólogo Esboço, dirigido por Donizeti Mazonas, que estreia nesta sexta, 16, no Auditório do Sesc Ipiranga. Com inspiração no texto homônimo e em Com os Meus Olhos de Cão, de Hilda Hilst (1930-2004), o solo busca desconstruir estereótipos sobre a loucura e mostrar um limite tênue entre insanidade e razão. “Não é apologia ao caos ou a insensatez, mas tenho um compromisso com o estranho que sou e quero experimentar esse pensamento na cena”, define o intérprete.

Rafael Costa sabe o que propõe no espetáculo. Goiano de Catalão, ele fez graduação e mestrado em psicologia na Universidade Federal de Uberlândia (MG) e, há uma década, vive em São Paulo. O desejo de ser artista o acompanha desde a infância. O encanto pelos mistérios da mente, entretanto, ganharam prioridade e, no mergulho sobre o entendimento do ser humano, o ator precisou esperar o tempo do amadurecimento profissional.
“Aos 28 anos, fechei consultório, pedi demissão da universidade onde lecionava em Goiás e me mudei para São Paulo para recuperar a essência artística”, conta. “Para me sustentar, continuei trabalhando na psicanálise enquanto fazia cursos, oficinas e me integrava ao pessoal do teatro, mas doía sempre que era apresentado como ‘o psicólogo’.”
A estreia de Esboço é o grande chute na porta do armário de Costa e faz com que ele se converta de vez em artista. Não que estivesse parado. Como assistente de direção, acumulou experiências com os encenadores Suzan Damasceno em Bruxa Morgana contra o Infalível Senhor do Tempo, infantil protagonizado por Rosi Campos em 2018, e Vinícius Torres Machado nas peças Revoltar, Memórias de Ilhas e Revoluções (2018) e Com os Bolsos Cheios de Pão (2022). Nos dois últimos espetáculos, ele conviveu com o ator e diretor Donizeti Mazonas, que integrava os elencos.

Profundo conhecedor da escrita de Hilda Hilst, Mazonas dirigiu o monólogo A Obscena Senhora D (2013), interpretado por Suzan Damasceno, que, por sua vez, o comandou em outro solo, Osmo (2014), ambos adaptados de livros da autora paulista. Em 2023, ele montou um grupo de estudos para abrir chaves de compreensão de textos como possibilidades de atuação e, em um dos encontros, o material explorado foi o conto Esboço. Costa figurava entre os participantes e, imediatamente ao término da leitura, levantou a voz em uma euforia contagiante: “Esse texto é meu e quero fazê-lo no palco!”.
Dois anos de um rigoroso processo se seguiram depois deste impulso entusiasmado e, logo de início, Mazonas tinha avisado: “Não vai ser só marcar a cena e começar a apresentar por aí”. Costa lembra que os dois chegaram a ficar dois meses esmiuçando uma fala. “É a história de um cara que tem um insight ao perceber que tudo o que fez até então não passa de um esboço e encontra dificuldades para tocar o cotidiano, o trabalho e as relações familiares”, explica o protagonista, que, de certa forma, encarava da mesma maneira a sua ligação com o teatro até agora.

Mazonas enxerga o personagem como um homem mais velho. É um professor de matemática, talvez de seus 50 e poucos anos, com filhos adolescentes, uma vivência que pode ser questionada em se tratando de Costa, o intérprete que chega aos olhos do público. Como diretor, porém, ele garante que a prosa de Hilda ultrapassa limites que diluem o tempo e até imagens. “Levar Hilda ao palco não é só uma questão de compor personagens, é uma busca pela expressão de fluxos de pensamentos que deseja abrir sentidos e não fechar”, afirma. “É uma montagem sem malabares, em que este homem caminha e atualiza a visão da vida, e ele pode até parar de falar, mas os pensamentos continuam.”
Costa concorda com a quebra de paradigmas tanto nas obras de Hilda como nas ideias do encenador que faz com que as fronteiras sejam estendidas em nome de uma expressão artística. “A loucura é um combustível necessário para que a arte não caia no padrão, na repetição e promove a cura para que o teatro não seja normativo”, comenta.
Desde 2017, o ator experimentou performances ligadas à falência das relações e às questões antimanicomiais como Observar-se as Pedras, Aos Entes e Assento, que ocuparam, entre outros espaços, o Tusp e o Centro Cultural São Paulo. Nada é por acaso e, partir desta lenta construção, ele conquistou segurança para ser ouvido pelos espectadores. “No consultório, fazer silêncio é se calar, enquanto na sala de ensaios, é no silêncio que encontramos como botar para fora o que temos a oferecer”, compara. “Eu assumo a dupla filiação, sou psicanalista e ator, mas, se nas performances, eu me calo, chegou a minha hora de falar.”
Serviço
Esboço
Auditório do Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga.
Sexta, 21h30; sábado e domingo, 18h30. R$ 50
Até 8 de junho (estreia em 16 de maio)