Espetáculo, que reúne 25 artistas, oito deles com mais de 80 anos, celebra o auge da radiodifusão e do teatro de revista
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 8 de maio de 2025)
Perto do encerramento da comédia musical Nas Ondas do Rádio, Miguel Bretas, de 64 anos, interpreta um “velho ator”. Na pele do personagem, o intérprete fala sobre o processo de decadência da sua trajetória profissional e da infinitude de degraus que não para de descer. Em meio aos lamentos, ele, porém, comenta que um artista não tem idade e tudo o que fala é mentira, reacendendo a esperança de que continua valendo a pena exercer o seu trabalho.
Os colegas de elenco, imediatamente, invadem a cena para cantar Luzes da Ribalta, versão de Braguinha e Antonio Almeida para o tema de Charlie Chaplin e Geoffrey Parsons, e, na sequência, o carnaval toma conta com as marchinhas Vai com Jeito e Sassaricando. “É a nossa aposta para que todo mundo saia feliz e animado do teatro porque assistiu a uma coisa leve e festiva”, justifica Bretas.
Nas Ondas do Rádio, texto de Pádua Teixeira dirigido por Sebastião Apolonio e Roberto Taty, estreia nesta quinta, 8, no Teatro Cacilda Becker, na Lapa, e segue em circulação pela Galeria Olido, no centro, e pelo Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, até 6 de julho, sempre com entrada franca. Mais que uma homenagem à era de ouro da Rádio Nacional e do teatro de revista, que atingiram auges simultâneos nas décadas de 1940 e 1950, é uma celebração aos artistas maduros que, com esta produção, cavam espaço para mostrar que ainda podem desenvolver o seu ofício.

São 25 atores, atrizes e músicos no palco. Oito deles têm mais de 80 anos, outros oito estão entre 64 e 79 e os mais jovens contam de 30 a 45. “Precisamos também de um grupo de menos idade porque números de revista exigem um fôlego e uma energia que muitos de nós já não temos”, justifica Apolonio, de 82. Entre eles, além de Bretas e dos diretores, estão Bernardete Vicente de Souza, Divina Valéria, Eliná Coronado, Hilton Have, João Ribeiro, Raimundo José, Sergio Buck, Sylvia Malena e Victor Wagner.
Apolonio é fascinado pela dramaturgia de Nas Ondas do Rádio desde que viu uma montagem em Belo Horizonte há mais de duas décadas. Esquetes cômicos, reverências aos astros e estrelas, como os comediantes Grande Otelo e Oscarito e as cantoras Dalva de Oliveira e Emilinha Borba, citações aos filmes da Atlântida e reproduções de publicidades da Varig, do creme Rugol e da Palmolive se destacam no roteiro saudosista e divertido. “A Rádio Nacional foi tão forte quanto o que se tornaria a Rede Globo e o teatro de revista não era só entretenimento, trazia muita crítica social e política”, diz Apolônio, que participou da lendária Tem Banana na Banda, revista protagonizada por Leila Diniz, Ary Fontoura e Nestor de Montemar em 1970.
Levar Nas Ondas do Rádio para o palco, entretanto, parecia um sonho impossível não só por questões financeiras, mas até pelas limitações inevitáveis da idade que começaram a se manifestar para Apolonio. O que o artista não imaginava é que justamente a experiência de um elenco veterano se tornaria o mote para viabilizar o espetáculo, idealizado por Bretas e levantado pela produtora Corpo Rastreado, e todos estavam literalmente próximos de sua casa. Não seria preciso nem sair do próprio prédio para tocar os ensaios.
Dezoito nomes do elenco moram no Palacete dos Artistas, residencial de locação social, mantido pela Cohab-SP, na Avenida São João, inaugurado em 2014. O prédio aluga 50 apartamentos, com área média de 40 metros quadrados, para artistas acima de 60 anos, por valores bem abaixo do mercado. “Não é asilo ou retiro, é locação social e foi uma batalha que durou 10 anos até virar realidade”, diz Apolonio, o primeiro morador do Palacete. “Artistas não ganham dinheiro, trabalham quatro meses e ficam outros quatro desempregados, então é impossível economizar, dar entrada em imóvel próprio e, assim, conseguimos seguir com a nossa dignidade.”

Os diretores e produtores tiveram um cuidado para que Nas Ondas do Rádio não ficasse marcada como a peça politicamente incorreta ou ultrapassada. Revisitar as canções e o humor das décadas de 1940 e 1950 pode ser uma cilada diante do avanço dos tempos. Atriz, diretora e pesquisadora, Gabi Costa entrou no projeto como dramaturgista para adaptar, por exemplo, as piadas que pudessem ter fundos machistas, racistas ou homofóbicos sem extrair a essência do original. “Nós fomos educados com uma comédia preconceituosa e tínhamos pouca reação diante dos absurdos, a ponto de reproduzi-los no palco”, reconhece Bretas. “Muitas coisas que pareciam normais até para nós e o público se tornaram inadmissíveis e é hora de a gente se posicionar até para mostrar que continuamos em sintonia com o novo.”
Paranaense radicado em São Paulo desde 1985, Miguel Bretas carrega no currículo mais de 100 espetáculos, entre eles a comédia Trair e Coçar… É Só Começar, e vive no Palacete há cinco anos. “Muitos dos meus vizinhos eu conheço há 40 anos e, mesmo tendo a sorte de realizar trabalhos contínuos, percebo que com a idade as ofertas ficam cada vez mais escassas”, comenta.
Por isso, o ator argumenta que a montagem de Nas Ondas do Rádio carrega um propósito de motivação pessoal e profissional para todos os envolvidos. É uma alavanca de esperança, conforme Bretas menciona, em um momento em que artistas idosos, como Othon Bastos no solo Não me Entrego, Não!, ganham o reconhecimento das novas gerações e voltam a ser valorizados até pela mídia. “Eu acredito que pode ser um ponto de partida para que tantos profissionais esquecidos provem que ainda são capazes de trabalhar e sejam lembrados pelos produtores para novos projetos”, afirma. “Claro que, realistamente, sei que este pode ser o último trabalho de muita gente, mas prefiro apostar que será o início de uma nova jornada.”
Serviço
Nas Ondas do Rádio.
Teatro Cacilda Becker. Rua Tito, 295, Lapa. Quinta a sábado, 20h30; domingo, 19h. Até o dia 18. A partir de quinta (8).
Galeria Olido. Avenida São João, 473. Dias 29 a 31 de maio, 20h; 1º de junho, 19h.
Teatro Arthur Azevedo. Avenida Paes de Barros, 955, Mooca. Dias 26 de junho a 6 de julho. Quinta a sábado, 20h30; domingo, 19h.
Grátis. Ingressos distribuídos uma hora antes nas bilheterias dos teatros.