Solo de Ana Paula Dias propõe reflexões sobre lembranças, luto e a arte de seguir em frente a partir da história de uma mulher e sua mãe com Alzheimer que estão à deriva em alto mar
Por Redação Canal Teatro MF (publicada em 15 de maio de 2025)
O que escolhemos lembrar? O que não podemos evitar esquecer? A memória, essa capacidade mental, que muitas vezes nos escapa por opção, outras por deficiência, atravessa as relações afetivas e políticas. Os acontecimentos passados são preciosidades que nos conecta com o mundo presente e nos posiciona diante do futuro. Por que esquecemos? A jornada de uma mãe e uma filha na fronteira entre o esquecimento, a dor e a redescoberta da própria essência é tema de Bombordo ou Uma Ilha para o Esquecimento, segundo monólogo autoral da atriz e professora Ana Paula Dias, que estreia no espaço ºAndar.
O espetáculo traz um espaço bastante simbólico para tratar deste universo – uma mãe, que sofre de Alzheimer, e uma filha em um veleiro em alto mar. Entre nós e lembranças, silêncios e repetições, o oceano revela o que as duas tentam esquecer.

Ela, a filha, parte em uma viagem solitária de veleiro, determinada a abandonar um cotidiano sufocante e as cicatrizes de um amor perdido. Mas, no último momento, se vê obrigada a levar consigo sua mãe, que sofre de Alzheimer – uma presença que embaralha ainda mais os limites entre passado e presente, entre cuidadora e dependente.
Em um barco, que é ao mesmo tempo abrigo e prisão, mãe e filha reencenam gestos cotidianos e por vezes, esquecidos – amarrar sapatos, fazer nós, contar histórias – revelando como o passado insiste em habitar o presente. Enquanto navega por mares gelados, a protagonista luta contra os esquecimentos da mãe: perguntas repetidas, histórias truncadas, a incapacidade de reconhecer até mesmo o barco que as abriga.
Aos poucos, porém, percebe que não está apenas lembrando por duas – ela também é confrontada com suas próprias fugas da memória: a morte do pai, enterrada sob camadas de negação; as dores de um rompimento amoroso que ela tenta apagar com distâncias geográficas; o medo de viver, disfarçado de aventura.

O mar, antes símbolo de liberdade, torna-se uma armadilha. As coordenadas se perdem, os dias se repetem, e a viagem revela seu verdadeiro propósito: uma travessia para dentro de si mesma, onde a protagonista enfrenta uma pergunta que a assombra: O que mais eu escolhi não lembrar?
Navegando entre o íntimo e o universal, o espetáculo convida o público a uma jornada sensorial e emocional, onde o mar se transforma em metáfora para as paisagens internas da protagonista e da própria atriz em cena.
Serviço
Bombordo ou Uma Ilha para o Esquecimento
ºAndar. Rua Dr. Gabriel dos Santos, 30, 2ºandar, Santa Cecília
Sábados, 20h. Domingos, 19h. R$ 75
Até 8 de junho (estreia em 17 de maio)