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“A Última Sessão de Freud” prova que o pai da psicanálise é pop 

Sinopse

A peça, protagonizada por Odilon Wagner e Claudio Fontana, volta para a quinta temporada em São Paulo depois de ser vista por mais de 80 mil espectadores

Por Dirceu Alves Jr.

Quando A Última Sessão de Freud estreou, em março do ano passado, em uma temporada gratuita no Itaú Cultural, as primeiras notícias sobre a invasão russa à Ucrânia preocupavam a população mundial. Mais de um ano e sete meses, não há previsão de fim do conflito, e a tensão internacional ganhou reforços diante dos recentes ataques do grupo islâmico Hamas a Israel em outro embate que pode ser duradouro.

Estes fatos do noticiário são apenas um dos pontos para justificar a identificação dos 80 mil espectadores que aplaudiram entusiasmados a montagem dirigida por Elias Andreato e protagonizada por Odilon Wagner e Claudio Fontana desde então. É no mesmo clima de violência, no dia em que a Inglaterra declarou guerra à Alemanha de Hitler, em 1939, que se ambienta a ação da peça escrita pelo americano Mark St. Germain, com base no livro Deus em Questão, do psiquiatra Armand M. Nicholi Jr., que reestreia nesta quinta, 12. 

Odilon Wagner e Claudio Fontana na peça A Última Sessão de Freud. Foto João Caldas F.

A Última Sessão de Freud ocupa o Teatro Vivo em sua quinta temporada paulistana, depois de passar, além do Itaú Cultural e do próprio Vivo, pelos teatros Porto e Bravos com apresentações lotadas e datas extras. Na excursão nacional por quinze cidades, o interesse não foi menos expressivo e Recife, João Pessoa e Ribeirão Preto, por exemplo foram praças repetidas. “Eu nunca vivi uma experiência tão impactante em 53 anos de carreira”, comemora Wagner, que interpreta o psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) e responde pela produção, que se mantém sem patrocínio há mais de um ano. “Nunca imaginávamos o quanto Freud é pop junto aos mais diferentes tipos de público.”       

A peça promove um encontro fictício entre o pai da psicanálise e o escritor, professor e teólogo irlandês C.S. Lewis (1898-1963), representado por Fontana, que se refugia no consultório do amigo para fugir das ameaças de bombas. Ateu convicto, o primeiro não se conforma com a recente conversão do interlocutor. Lewis, intelectual respeitado, abraçou a crença em Deus e se declarou cristão. “São duas pessoas dividindo ideias sem o objetivo de chegar a uma conclusão, porque cada um manterá sua fé e o público jamais se sentirá pressionado a tomar partido”, define Fontana.

Sucesso não costuma ter explicação. Algumas hipóteses, no entanto, são levantadas pela equipe. Wagner ressalta que a estreia ocorreu em uma fase que a pandemia do coronavírus começava a abrandar e a vacinação mostrava efeitos. “Por dois anos, vivemos uma guerra também por aqui, com todo mundo trancado em casa e a gente sempre pergunta ‘onde está Deus nessas horas?’”, compara.

Esta indagação rondou os ensaios comandados por Andreato, que, desde o começo, buscou uma simplicidade absoluta e focou as atenções na dramaturgia e nos dois atores em um realismo absoluto. Um dos símbolos da escolha é o imponente cenário que reproduz com fidelidade o consultório de Freud. “A plateia sai do teatro com a sensação de que penetrou na intimidade dos personagens e o questionamento da fé é pertinente porque o texto fala para uma classe média brasileira cada vez mais religiosa”, declara o diretor. 

Odilon Wagner e Claudio Fontana em cena da peça A Última Sessão de Freud. Foto João Caldas F.

Fontana, porém, levanta outro ponto importante, o interesse, desde as primeiras apresentações, de médicos, psicólogos, psicanalistas e estudantes das áreas de saúde, que se encarregaram de reverberar a peça para diferentes segmentos. “Tanto que instituímos que, uma vez por semana, em qualquer cidade, faríamos um bate-papo no fim do espetáculo, reunindo um psicanalista e um religioso”, conta o intérprete de Lewis. “Esses encontros me estimularam a manter um permanente estudo em torno do personagem.”    

Além destes bate-papos, Wagner aterrissa com, pelo menos, três dias de antecedência nas cidades agendadas para promover debates em universidades, escolas e entidades ligadas à psicologia, filosofia ou teologia. “Eu não espero o espectador chegar ao teatro, vou atrás dele, como era comum nas décadas de 1970 e 1980, mas parece que os artistas perderam o costume de divulgar o trabalho”, diz o artista, que também faz questão de tirar fotos com as pessoas no final porque entendeu o alcance das redes sociais. “Claro que isso dá trabalho, mas dessa forma levamos gente que não costuma frequentar teatro a descobrir a nossa peça e, quem sabe, nos assistir no dia seguinte.” 

O exercício da ininterrupta permanência em cartaz rende evoluções ao desempenho dos artistas. Fontana reconhece que a escuta desenvolvida entre ele e o parceiro durante as falas criou um tempo de reflexão, pausas que beneficiam o ritmo da peça. “O silêncio, muitas vezes, passou a ser mais importante que os diálogos”, constata. Wagner, por sua vez, ressalta que o fato de A Última Sessão de Freud já ter sido exibida em teatros de 200 ou 2000 lugares leva a dupla a se adequar a cada espaço para não perder o caráter íntimo da montagem. “Assim como o Freud e o Lewis, nesta longa temporada, Claudio e eu nos contrapomos, nos contra-argumentamos, mas nos ouvimos o tempo todo, o que só fortalece a recepção do público.”

Serviço

A Última Sessão de Freud.

Teatro Vivo. Avenida Chucri Zaidan, 2460, Morumbi.

Quinta a sábado, 20h; domingo, 18h. R$ 140

Até 10 de dezembro. 

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Ficha Técnica

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Serviço

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