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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

“12º Round: A História de Emile Griffith” traz a tragédia de um boxeador marcado pela homofobia

Sinopse

Ator Fernando Vitor interpreta o pugilista que, desestabilizado pelo bullying, socou o adversário com tanta violência que o levou à morte; peça chega no Sesc Ipiranga

Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 5 de junho de 2025)

Com o olhar apurado de jornalista, o dramaturgo Sérgio Roveri, de 64 anos, abriu a Folha de S. Paulo na manhã de 24 de julho de 2013 e uma notícia impressa em um terço de página chamou a sua atenção de imediato. Na véspera, o pugilista norte-americano Emile Griffith (1938-2013), dono de cinco cinturões mundiais, tinha morrido e, apesar das significativas conquistas, Roveri jamais ouvira falar daquele nome. 

Entre outras informações da matéria, uma delas, destacada no título, fez o leitor perceber que estava diante de um personagem ímpar. Griffith foi o primeiro atleta do boxe a assumir a bissexualidade e, em razão disto, sua história conheceu uma virada trágica típica de folhetim.

Em 1962, ele enfrentou o cubano Benny Kid Paret e venceu a disputa depois de um nocaute tão violento que levou o adversário a morrer dez dias depois em um hospital. Desde os preparativos para a luta, Paret investiu em persistentes bullyings a fim de desestabilizar o colega. Na hora da pesagem, por exemplo, bateu no traseiro de Griffith e, aos risos, o chamou de “maricón”.  

Alexandre Ammano e Fernando Vito em 12º Round. Foto Rony Hernandes

No auge da disputa, o transtornado Griffith soqueou o opositor 17 vezes em cinco segundos e, depois daqueles golpes furiosos, a sua vida ficaria marcada para sempre, dentro e fora dos ringues. Mesmo dando prosseguimento a sua carreira, ele jamais lutou com a energia necessária para aquela modalidade porque tinha medo de machucar os oponentes e virou alvo de críticas que, inevitavelmente, faziam referências a sua intimidade. “É a trágica história de um cara testado até o limite que pagou um preço caríssimo por assumir a orientação sexual em um meio tão machista”, diz Roveri. “Acredito que ele tenha sido tão grande quanto Cassius Clay, George Foreman ou Mike Tyson, mas foi apagado por homofobia.”

O espetáculo 12º Round: A História de Emile Griffith, escrito por Roveri e dirigido por Bruno Lourenço, estreia nesta sexta, dia 6, no Teatro do Sesc Ipiranga, para dar luz a um homem controverso e carregado de uma humanidade que o levou à ruína. No palco, Griffith é interpretado por Fernando Vitor, que contracena com Alexandre Ammano e Letícia Calvosa. O ator e a atriz se revezam entre todos os outros personagens que orbitam ao redor do protagonista, como sua mãe, seu namorado, um jornalista e o próprio Kid Paret. A dramaturgia é estruturada em doze cenas de três minutos costuradas por passagens de um minuto, como se reproduzisse uma luta de boxe e os intervalos do gongo.

Roveri, depois de uma extensa pesquisa, escreveu 12º Round: A História de Emile Griffith em 2015 e, especialista em recriar personagens reais sob perspectivas às vezes ficcionais, incluiu mais um a sua galeria. São de sua autoria as peças Aberdeen – Um Possível Kurt Cobain e Chet Baker – Apenas um Sopro, inspiradas em recortes das vidas do vocalista da banda Nirvana e do trompetista e cantor de jazz respectivamente. O tempo foi passando, conversas para outras montagens não saíram do papel até que, há dois anos, o dramaturgo mostrou o texto a Fernando Vitor, que se encantou e partiu para a idealização do projeto.

Alexandre Ammano, Fernando Vitor e Letícia Calvosa em 12º Round. Foto Rony Hernandes

“Fiquei chocado com o fato de que ninguém, inclusive eu, conhecia Griffith, e ele é só uma destas tantas figuras históricas apagadas por causa do racismo e homofobia”, afirma o ator paulistano, que representa o pugilista da juventude até a velhice. “Eu me interesso em contar a trajetória de personalidades pretas e gays abafadas e, neste caso, ainda tratamos do boxe, um esporte muito negro, que, mesmo nos Estados Unidos, é precarizado e visto com preconceito.

Aos 27 anos, Fernando Vitor começou a estudar teatro na adolescência em um projeto da prefeitura de Mauá, fez a graduação na Unicamp e, desde a formatura, em 2021, trabalhou sem pausas com expressivos encenadores. Ele estreou profissionalmente em Terremotos, dirigido por Marco Antônio Pâmio e, em três anos, emendou peças com Nelson Baskerville (Mary Stuart), Jorge Farjalla (O Que Faremos com Walter?), Elias Andreato (Amendoim Torrado), Hugo Coelho (As Aves da Noite), José Fernando Peixoto de Azevedo (James Baldwin – Pode um Negro Ser Otimista?) e Lavínia Pannunzio (Névoa). “Além da variedade de personagens, gosto de trabalhar com diferentes diretores porque, transitando por linguagens distintas, posso criar estofo e entender o lugar para onde quero ir”, explica.

Partiu de Vitor a provocação para que o ator Bruno Lourenço, de 33 anos, estreasse como encenador. “Temos pouquíssimos diretores pretos e acho importante a gente mudar isso para não dar sequência aos apagamentos”, declara Vitor, que chamou o colega depois de ver a peça Escola Modelo, de sua autoria. Lourenço não só topou o desafio como, de posse da dramaturgia de Roveri, enxergou uma série de camadas que só aumenta a relevância de Griffith.

Para Lourenço, além do auge nos ringues e da abordagem da sexualidade, é importante discutir as consequências de um trauma e os efeitos da militância pelos direitos dos pretos e da comunidade LGBTQIAPN+ exercida pelo personagem até o fim da vida. “Nos ensaios, comparamos muito as semelhanças nas trajetórias de um atleta e um artista”, conta o diretor. “Nos dois casos, são carreiras que se iniciam muito cedo, difíceis de serem mantidas e cada conquista ou sucesso significam uma vitória coletiva enquanto uma derrota ou um fracasso se tornam um fardo da responsabilidade de uma única pessoa.”

Fernando Vitor em 12º Round. Foto Rony Hernandes

Lourenço vem de uma grande realização em seus quinze anos de carreira, iniciada com a peça O Dia em que Túlio Descobriu a África, da Companhia de Teatro Heliópolis. Entre 2023 e 2024, ele protagonizou o espetáculo Brás Cubas, da Armazém Companhia de Teatro, que lhe valeu uma indicação ao Prêmio Shell pela interpretação de ninguém menos que o escritor Machado de Assis (1839-1908). 

Foi graças à experiência adquirida junto ao coletivo capitaneado por Paulo de Moraes que Lourenço sentiu a segurança necessária para se testar como encenador. “Conhecer de perto o trabalho do Armazém e como o Paulo dirige me ensinou sobre condução, ritmo e musicalidade durante um processo de montagem”, reconhece. Entre os seus próximos projetos, Lourenço destaca um espetáculo centrado em Machado de Assis para abordar a vida do autor de Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas antes dos 33 anos, quando ele se lançou como romancista em Ressurreição, em 1872.  “Pouco se sabe das suas origens e das tantas coisas que ele fez até ser reconhecido como o grande escritor e está na hora de a gente conhecer estas histórias.”

Serviço

12º Round: A História de Emile Griffith

Teatro do Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga

Sexta e sábado, 20h. Domingo e feriado, 18h. R$ 60

Até 13 de julho (estreia em 6 de junho)

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Ficha Técnica

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Serviço

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