Texto adaptado é encenado em uma casa real, com o público se movimentando pelos cômodos e criando uma experiência intimista e provocadora
Por Redação Canal Teatro MF (publicado em 19 de junho de 2025)
Quando escreveu Casa de Bonecas, em 1897, o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) talvez não imaginasse que seu texto pudesse atravessar tantos tempos e espaços. Isso porque, ao final do terceiro ato, Nora, a protagonista, rompe com a instituição familiar e busca novos sentidos para sua vida, deixando o público sem saber ao certo o que fará nem para onde irá. A deliciosa sensação de estranheza acontece agora com mais intensidade a montagem de Uma Casa de Boneca, que estreia em São Paulo em uma casa real, com capacidade para 60 pessoas.
Com isso, o público é convidado a ocupar os cômodos, criando uma experiência intimista e provocadora. A proximidade entre espectadores e personagens torna a narrativa ainda mais impactante, especialmente em momentos de tensão, brigas ou silêncio.

“Encenar a peça dentro de uma casa real contribui para aprofundar a experiência do público. É como na vida: se você está posicionado de um jeito, entende uma coisa; de outro, entende diferente”, afirma a diretora Georgette Fadel, que destaca que a movimentação pelos cômodos, os ruídos reais da casa e a proximidade física com os atores criam uma tensão particular, transformando o espectador em quase um voyeur da intimidade daquela família.
No texto original, pouco antes de Nora tomar essa atitude, em um período em que isso seria inconcebível para as mulheres, ouvimos relatos das personagens sobre uma festa que acontece no apartamento de cima. A nova adaptação amplia a crítica original ao patriarcado do século XIX ao incorporar outras formas de opressão contemporâneas: o racismo estrutural, a invisibilização de corpos fora dos padrões normativos e os limites da liberdade feminina em diferentes contextos sociais.
A leitura de Nora Helmer (Livia Camargo) é atravessada por sua condição de mulher branca em contraste com outros corpos em cena; Cristina (Paula Aviles), mulher racializada; Krogstad (Edinho Duavy), homem negro; e Torvald Helmer (Gustavo Vaz), que encarna não apenas o privilégio de gênero, mas também o racial.

Para Georgette Fadel, os temas incorporados pela nova adaptação já estavam latentes no próprio texto de Ibsen, que fala de estruturas que se protegem e se perpetuam. “Essa família que se autopreserva, esse homem que se blinda… o texto já pede essas incorporações”, comenta.
Já Livia Camargo, que divide a direção com Georgette, além de adaptar o texto de Ibsen e de ser uma das idealizadoras do projeto ao lado de Paula Aviles, destaca a importância de ter iniciado o processo pela dramaturgia, antes dos ensaios como atriz. “Foi fundamental começar por esse lugar.”
Para ela, o texto de Ibsen ainda é incrivelmente atual. “Vemos mulheres vivendo relações abusivas por anos, saindo destruídas, sem autoestima. O gesto de Nora, ao bater a porta, ainda hoje nos inspira a romper e reconstruir.” Livia reforça que esse gesto precisa ser ampliado: “Ibsen escreveu sobre uma mulher burguesa, mas hoje ele precisa incluir a mulher periférica, racializada, com filhos. O ato de bater a porta é quando ela percebe que só ela pode mudar a própria vida. E essa consciência é revolucionária.”
Serviço
Uma Casa de Boneca
Casaurora. Rua Plínio de Morais, 401, Sumaré
Sextas e sábados, 20h. Domingos, 19h. Sessões vespertinas dias 19 e 26 de julho, sábados, 17h30
Grátis. Ingressos distribuídos 1h antes. Informações @casaurora.sp e @nossacasadeboneca
Até 27 de julho (estreia 20 de junho)