Barbárie ocorrida entre 1613 e 1614, quando um indígena tupinambá foi morto e destroçado na boca de um canhão, é a inspiração para “TYBYRA – Uma Tragédia Indígena Brasileira”, com dramaturgia e atuação do artista potygura Juão Nyn
Por Redação Canal Teatro MF
A história da transfobia e a violência desmesurada aos corpos LGBTQIA+ no Brasil não são fatos recentes. Entre os anos de 1613 e 1614, um indígena tupinambá foi morto por soldados franceses, preso à boca de um canhão, após ser acusado de sodomia. Tamanha atrocidade está registrada no livro Viagem ao Norte do Brasil – Feita nos anos de 1613 a 1614, de Frei Yves D’Évreux. Transmitida oralmente em diversos territórios indígenas, foi o antropólogo e ativista LGBT Luiz Mott quem o nomeou Tybyra, termo derivado de “tebiró”, que significa “homossexual passivo”.
O artista e dramaturgo potyguara Juão Nyn relata que, ao descobrir essa história, sentiu a necessidade urgente de criar uma obra a partir dela. E com isso construiu a dramaturgia do espetáculo TYBYRA – Uma Tragédia Indígena Brasileira, que estreia no Sesc Avenida Paulista. Para Renato Carrera, que assina a direção, é simbólico que Tybyra ressurja das cinzas na Avenida Paulista, local que também é palco de violências contra a população LGBTQIAP+. Em 2010, alguns jovens agrediram um homem gay com uma lâmpada. “Queremos dar destaque para essas histórias para que elas não se repitam”, defende.

A pesquisa de Juão Nyn revelou detalhes ainda mais chocantes, como o fato de a identidade do indígena assassinado ser desconhecida, enquanto o nome do responsável por acender o canhão, Caruatapirã, foi registrado. Diante disso, Nyn decidiu adicionar uma camada narrativa à peça, transformando o algoz em irmão de Tybyra, numa referência à história bíblica de Caim e Abel. O autor explica que gosta de se apropriar de mitologias cristãs para subverter o imaginário, especialmente pelo fato de o cristianismo ter se apropriado de diversas histórias pagãs.
Juão Nyn é o próprio Tybyra em cena. Ele se utiliza de uma Igaçaba (jarro) de dois metros de altura, que tem a função tanto de uma urna funerária como a boca do canhão e de lá propaga as suas últimas palavras, como se depois de relâmpagos, o som dos trovões saísse de sua boca. Palavras essas totalmente faladas em Tupi-Potyguara com apenas algumas partes com legenda em português. “Meu teatro se define como contra colonial, ou seja, tenho o objetivo de utilizar essa linguagem para devolver a dignidade para os corpos, línguas e culturas indígenas. Por isso, este espetáculo não quer servir ao colonizador”, enfatiza Nyn.

Como provocação, assim como em seu espetáculo anterior Contra Xawara – Deus das Doenças ou Troca Injusta, que ao final propunha uma troca com a plateia tomando objetos de seus pertences para evidenciar a usurpação sofrida pelos povos indígenas, agora ao final de Tybyra, ele retorna para agradecer vestindo um manto Tupi. Com isso faz um apelo ao público de levar uma pena que será incorporada a este manto. Atualmente, a tradição de confeccionar mantos tem sido retomada por artistas indígenas, como Amotara e Célia, ambas Tupinambá. Além disso, um dos doze mantos roubados pelos europeus retornou ao Brasil em 2024, ano em que se iniciou a montagem de TYBYRA. Inspirado por esse movimento, o artista potyguara concebeu a ideia de um manto construído coletivamente.
E, para quem quiser conhecer a dramaturgia de Juão Nyn, o livro todo escrito em uma grafia que substitui o i pelo y, para firmar a identidade indígena, o dramaturgo já publicou o texto de Tybyra em uma excelente publicação lançada em 2020 pela editora Selo do Burro, com ilustrações do artista Denilson Baniwa.
Serviço
TYBYRA – Uma Tragédia Indígena Brasileira
Sesc Avenida Paulista. Avenida Paulista, 119
Quinta a sábado, 20h. Domingo, 18h. Sessão extra no dia 2 de abril, quarta, às 20h. R$ 50
Até 6 de abril (estreia 5 de março)