Falada em português e Libras, peça é centrada em um casal extremamente afetuoso que encara o ato de cozinhar como uma maneira de valorizar as tradições e perpetuar o sentimento de ternura
Por Redação Canal Teatro MF (publicada em 20 de maio de 2025)
As estruturas sociais têm sido questionadas e com louvor. Muitas formas de relacionamentos que perduraram durante um longo tempo estão perdendo o seu lugar supremo e já não são mais as protagonistas da história. Atenta a isso, a companhia Aquilombamento Ficha Preta estreia no Sesc Vila Mariana o espetáculo OZ. Nele, um casal decide não se curvar às regras de um amor socialmente instituído. Eles passam a questionar os limites impostos aos seus corpos e aprendem a construir uma família a partir das suas próprias crenças. Buscam novas maneiras de representar a negritude, que não passam pela violência e o sofrimento.
Para o grupo, era importante desmistificar a ideia de que apenas certos corpos estão predestinados ao amor. Dessa forma, o casal do espetáculo é formado pelo ator, poeta e slamer surdo Edinho Santos e a atriz Letícia Calvosa. E a encenação é bilíngue, em português e Libras.

A dramaturga e idealizadora do espetáculo Aline Mohamad se deparou no início de sua escrita com um fato muito íntimo e que foi o grande disparador dramatúrgico do espetáculo. “Quando iniciamos as pesquisas para o OZ, eu tinha acabado de perder uma tia muito querida chamada Zeneb. Ela era surda e percebi que minha família sempre a colocou em uma redoma. Por isso, ela nunca pôde vivenciar sua sexualidade plenamente”, conta Aline. “Embora não seja uma narrativa biográfica, muitas das experiências de Zeneb conduzem a obra. Ela nunca teve um amor romântico, mas dava alguns selinhos em amigos e gostava de assistir a filmes pornôs, por exemplo. E, como existem outros amores possíveis, quisemos falar sobre isso”, completa a dramaturga.
Em um mundo que tantas vezes determina quem merece amor, um casal, entre lembranças de infância e silêncios herdados, descobrem que amar também é redefinir o que é família. E eles fazem isso em um ambiente específico da casa, a cozinha. É lá onde o aroma do café passado no pano se mistura com o calor do forno, onde cada panela guarda um segredo e cada tempero carrega a marca de quem cuida e acolhe.

“Para o povo preto, a cozinha não está atrelada apenas a um lugar de serviço, mas de confraternização e afeto. Por isso, valorizamos uma mesa farta, cheia de delícias para compartilhar”, comenta Tainara Cerqueira, que assina a direção ao lado de Rodrigo França. Para isso, o cenário e o figurino evocam esse ambiente carinhoso. “Queremos que esses elementos façam a plateia perceber um novo mundo de possibilidades de doçura dentro de casa. O trabalho é uma oportunidade de apresentar outros tipos de relações, que fogem à lógica patriarcal e se alinham mais a uma perspectiva decolonial. Eu venho de um lar em que as mulheres eram centrais, mesmo com um pai carinhoso e financeiramente presente”, defende França.
O espetáculo configura-se como um ritual de amor que transcende o tempo. Os espectadores acompanham a construção de cumplicidade entre um casal, a cada gesto cotidiano. A peça mostra como o lar pode ser um espaço de resistência, cuidado e beleza, mesmo com uma sociedade julgadora. Para isso, o espetáculo propõe uma imersão e o o público vai poder desfrutar de um café com bolo de cenoura durante as apresentações, destacando o lugar que os alimentos são capazes de evocar – as memórias afetivas e ancestrais.
Serviço
OZ
Sesc Vila Mariana – Espaço Corpo e Artes. R. Pelotas, 141
Quartas e quintas, 21h. Feriado (19/06 – Corpus Christi), 18h. R$ 50
Até 26 de junho (estreia 21 de maio)