Peça é dirigida pelo japonês Hiroshi Koike e conta com a presença de artistas brasileiros e japoneses
Por Redação Canal Teatro MF
A ideia de país cordial presente da identidade brasileira nos faz esquecer que conflitos armados também aconteceram em nosso território. A Guerra de Canudos é um desses exemplos ocorrido no interior da Bahia entre os anos de 1896 e 1897. Hoje é possível rememorar a dizimação de moradores dessa região pelo exército brasileiro por meio dos registros que o escritor e jornalista Euclides da Cunha fez na época e que originaram o clássico Os Sertões.
Já o escritor peruano Mario Vargas Llosa, impressionado com a leitura deste que é considerado o primeiro livro reportagem brasileiro, se embrenhou em arquivos históricos, viajou pela região onde o conflito se deu, estabeleceu conversas com moradores, para daí escrever o épico A Guerra do Fim do Mundo. São apreensões estéticas distintas de uma guerra ocorrida no Brasil. Se Euclides da Cunha traça uma narrativa comprometida com a realidade dos fatos, Mario Vargas Llosa opta por ficcionalizar a partir do ocorrido.
Mais uma vez é a Guerra de Canudos, por meio da obra de Llosa, que serve como inspiração para criação. O espetáculo Saudade na Miragem, em temporada no Sesc Vila Mariana, se inspira em A Guerra do Fim do Mundo, reunindo artistas de diferentes origens. A direção é do japonês Hiroshi Koike, que juntou criadores da Ásia, Europa e América do Sul para dar continuidade ao seu projeto Firebird, realizado aqui no Brasil em residência no CPT – Centro de Pesquisa Teatral.
“O objetivo do projeto é sugerir a coexistência e celebrar as diferenças. Ser capaz de imaginar a coexistência é mais importante do que nunca, neste momento que o mundo está mudando rapidamente e enfrenta uma crise que afeta todo o planeta Terra. Firebird é um projeto para imaginar o renascimento humano diante do caos, da guerra e da destruição”, explica Koike.
O primeiro trabalho surgiu na Polônia, em 2022, e trouxe à cena uma versão do romance Kosmos, de Witold Gombrowicz. Em 2023, a segunda etapa se inspirou no clássico grego Odisséia, de Homero, com artistas na Malásia. A montagem no Brasil é o terceiro trabalho do projeto e discute o tema “Destruição e Nascimento – Como poderemos seguir como seres humanos?”. A última montagem será no Japão, em 2025.
O diretor Hiroshi Koike conta que escolheu o Brasil para a coprodução porque já havia trabalhado com artistas brasileiros na década de 2000 e, a partir dessa experiência, sentiu uma profunda afeição pela cultura brasileira e pela coexistência no país entre pessoas de diferentes etnias e grupos.
“O Brasil é realmente o país mais avançado do mundo no processo de se tornar multicultural e multiétnico. O Japão está próximo do exato oposto. A sociedade brasileira define a diversidade em pessoas, cultura e filosofia. O que vemos no país pode ser uma pista para a direção da humanidade à medida que nos tornamos mais diversificados e globalizados. Eu queria criar com artistas brasileiros na terra e na cultura onde artistas como Glauber Rocha, Cartola e Sebastião Salgado viveram”, relata o diretor.
A criação do espetáculo parte então da guerra onde o exército brasileiro, pressionado por latifundiários da região, dizimou milhares de pessoas lideradas pelo peregrino Antônio Conselheiro, que buscava uma salvação milagrosa para a grave crise econômica, social e hídrica enfrentada pela população.
Diante desse passado, o espetáculo se passa no futuro, de onde falam pessoas mortas, o que permite um trânsito de tempos e uma combinação de realidades que inclui passado e presente, sem a necessidade de situar geograficamente ou de muita especificidade, dando uma narrativa épica ao espetáculo. “Canudos não é um problema distante, mas uma possibilidade que pode ocorrer em qualquer lugar do mundo”, arremata o diretor, diante do surgimento constante de guerras em todo o mundo.
Serviço
Saudade na Miragem
Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141
Quarta a sábado, 21h. Domingo, 18h. R$ 70
Até 15 de dezembro (estreou em 30 de novembro)